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Espaços vazios.

Impedes-me de tudo. Cortas todo e qualquer caminho que me possa seduzir para chegar até ti. Castigo. Não compreendes que não se deve castigar quando não houve mal feito... Mas e convencer-te disso? Sobra-me a escrita. Sobram-me as palavras deitadas ao vento da era digital, sem saber sequer se este vento as levará até ti. A esperança é escassa. "Sem um adeus, sequer..." Que folgas estas, que me levam o ar todo e me deixam sem norte. Foi disto que eu fugi, e nisto caio novamente, contra os meus próprios avisos. Às recordações doces, divertidas; às gargalhadas e às cumplicidades, às mãos dadas de fugida vêm juntar-se as discussões, as acusações feitas de pó e as inseguranças que desde o início nos fazem tremer o barco. A espaços isto vai acontecendo; a minha resistência vai diminuindo... "Sentir em nós, uma razão para não ficarmos sós..." Porque é que eu achei que eras uma rocha? Porque é que me deixei convencer que podias ser a minha rocha, mesmo quando nunca p...

O coração pede. Damos?

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Os pores de sol não páram de acontecer. Mesmo que não vamos à sua procura; mesmo que não paremos para os contemplar, ou que o nosso lugar na plateia não seja o mais privilegiado. Todos os dias, tal como (e porque!) a terra continua a rodar, um novo entardecer se perfila, em diferentes tons de morno e aconchegante, mas sempre convidando-nos, qual gato a pedir colo. Do lado de cá, de olhos arregalados, também o coração já vai pedindo para se voltar a esparramar no passeio, juntando-se ao ouro líquido com que o sol banha os passeios. Pede-se encarecidamente: destranquem as portas. Deixem sair os suspiros, as mãos dadas e as cumplicidades. Inventem-se novos estratagemas para surpreender e fazer rir - que cada gargalhada é mais um dia de vida. Haverão a par e passo pânicos, inseguranças, ciúmes. Mas para cada queixume deverá haver um abraço apertado a condizer. Uma mão forte a segurar; uma carícia, um beijo no pescoço; um elogio dos que fazem parar o relógio. E muito importante, nos ...

A quinta página de mim

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Mais perto. Olho para os pés; com o olhar percorro a distância que os separa da circunferência; essa que marca o centro, como giz no asfalto. Meço a olho e sim, quase posso jurar que estou mais perto do meio. Dessa esfera perfeita e intocada que é o centro de mim. Com muita luta e refilice. Com dor e medo. Com uns passos trapalhões e muita dúvida metida ao barulho. Mas a sensação é diferente. Para tentar explicar, talvez assim como aqueles finais de dia quentes, em que a temperatura já vai baixando, e esperamos começar a sentir frio a qualquer momento. Mas aquele torpor morno ainda se faz sentir na pele, e damos por nós a pensar como aquela sensação se aproxima da perfeição. Aqueles instantes raros em que não estamos a pedir mais da vida, nem do momento; em que estamos só a curtir exactamente o que temos, no aqui e no agora. E sim, curtir é mesmo a palavra certa. A gozar; a ser. A abraçar apenas aquilo que se encontra à distância dos nossos braços, com um sentido de privilégio e...

Criar novos sentidos. Desconfortar.

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Vivemos tão desatentadamente os nossos dias. Caminhamos atrás da sombra dos dias. Deixamos que o conforto da rotina transforme o nosso caminho num circuito pré-estabelecido e, no fim de contas perfeitamente circular. Diariamente voltamos a calcar as nossas pegadas do dia anterior, sem mudar de sítio, de posição, de sentido. E ainda assim (que curiosos que somos nós, os humanos!), esperamos resultados diferentes. Não vou dizer que de vez em quando não nos faz bem. Mas o que mais me incomoda em tudo isto, é o facto de voltarmos a passar todos os dias num mesmo sítio onde, na verdade, nunca nos sentimos felizes, confortáveis ou seguros. E no entanto, por vício de repetição, chamamos-lhe zona de conforto. É preciso procurar o desconforto, meninos. É lá que se encontra o sorriso rasgado. No músculo que hoje se esforçou durante mais dez segundos do que ontem. No odor novo que nos detivemos a captar, a caminho de casa, em vez de continuarmos a andar. No olhar lavado sobre as perspecti...

[Fica. Eu não lhe conto. Prometo.]

Hoje impunha-se escrever. Impunha-se admitir que o silêncio anda a queimar-me. Queimam-me as fotografias de todos os dias que não são hoje; dói-me o meu sorriso nelas. Esse sorriso cheirava quase sempre a ti. As fotografias de hoje, essas não têm sorriso. Têm rugas de pele que não têm sido esticadas; em suma, pele que tem ficado por agarrar. Ao espelho vejo só uma sombra desmaquilhada, e no entanto sei que há tanta cor aqui, a pedir para ser espalhada! Ardemos com o caminho. [Tens a certeza?] E no entanto só há areia, sem os teus braços. O sono não me larga nem com os olhos acordados, os sonhos versam a perseguição, a inquietação e um silêncio... aquele silêncio estranho que se ouve dentro de água, que pressiona os ouvidos e sabe a fim. Todas as horas são compridas demais e passam a correr; todas as divisões que percorro tresandam a cinza no ar. Fazem-me arder os olhos, provocando-me ataques de choro. [De certeza que já não te convenço a dançar?] Queria ir dar uma volta de av...

Porque é que escreves?

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[uma encomenda de uma amiga. ou simplesmente uma pergunta à qual eu queria responder] E perguntam vocês: porque é que escreves? Escrevo porque leio. Leio histórias... tantas histórias. Amargas, doces, com bigode ou estrelas. Faço silêncio para ouvir os corpos que dançam em silêncio: as letras, assim se chamam! E elas chamam por mim. E eu vou. Vou porque também quero contar histórias. Tenho em mim tantas histórias. Histórias do tempo em que tinha medo de olhar para fora. Histórias de hoje, de sempre. Histórias do agora, de fora. Sou capaz de juntar letras e com elas formar sonhos! Olho agora para as minhas mãos, e vejo que que fiquei com pó de estrelas nas mãos. Sopro o pó e sorrio. Foi de formar palavras bonitas, umas maiores, outras mais pequenas. Dá trabalho, temos de ajustar. Estica daqui, encolhe dali. Espreguiçam-se as letras, como se fossem braços longos. E depois aconchegam-se umas às outras, como os joelhos dobrados. Primeiro eu estava calada. Cá dentro nunca houve ...

A Prima da Vera.

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É tão longa, a lista das coisas que estão por fazer. Tão funda, como uma daquelas gavetas onde tudo se perde, e onde anos depois encontramos aquelas mini-coisas de cuja existência nos havíamos, há muito, desfeito. E é um dia, sentada numa esplanada subvalorizada enfiada no meio de prédios, a descobrir o prazer inesperado num dos venenos favoritos, derramando conversa sem pressa... É aí que redescubro um desses objectos minúsculos há muito esquecidos e que fazem parte da minha lista: o prazer adiado de estar e ser. Esse pormenor tão "pequeninamente" grande do sol a bater na cara. A aquecer-nos a casa, divisão a divisão, deixando que esse líquido brilhante se vá derramando e enchendo os espaços que estavam em branco, até que sobre apenas vontade de sorrir. Agora sim. Hoje. A Primavera chegou para mim. Em pezinhos de lã, tímida, mas entranhada.