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As palavras nos gestos. E a lucidez de um coração partido.

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Foram precisos... deixa-me ver, porque deixei de contar as minhas voltas ao sol. É isso, 37.   Foram precisas 37 voltas ao sol para eu aprender uma lição que tão pacientemente tentaste ensinar-me durante tantos, tantos anos da minha vida. Desde que sofri o meu primeiro desgosto amoroso, começaste a dar-me um miminho em todos os dias dos Namorados (e não só). Se davas um ramo de rosas à mãe, davas-me uma rosa a mim. Se compravas um peluche grande para ela, compravas-me um pequenino. Escrevias-me postais com poucas palavras - porque não eram precisas muitas. Estava tudo ali, nos teus gestos. E também nunca tiveste medo de me dizer o que realmente importa ouvir em palavras ou abraços, quando precisei. Cresci a sentir esperança. A sentir que mesmo quando o coração se nos parte, há esperança. Há amor, há sempre amor a sobejar. Há sempre um fio de luz que leva o arco-íris a aparecer.  Cresci a ouvir que existe sempre um fio de luz. Mas foi preciso todo este tempo, à boleia de um coração part

Formas.

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O amor tem tantas formas.  Bom, que maneira mais lamechas de começares uma conversa. Desculpa-me. Mas a realidade é que às vezes damos voltas a mais. Tomamos desvios por caminhos secundários. Abusamos nos quilómetros, desnecessariamente. Tudo para não passar na estrada principal, onde há mais confusão, mas onde chegamos directamente ao nosso destino. Tudo para passar ao lado da palavra. Evitando confusões, achamos nós. Até nos depararmos com o camião, ou o acidente, nos nossos atalhos evitantes. Quando às vezes é mais simples dizê-lo, tão somente. [silêncio constrangedor] Posso continuar? Bem, adiante. Dizia eu que o amor, essa estrada nacional caótica, tem formas muitas. Pode vir na forma elaborada de uma colher de madeira feita à mão para ti. Ou na forma de um bolo de chocolate inteiro - tu que só tens uma boca para o comer e duas para o segurar.  Pode vir na forma do novo livro do teu autor favorito - aquele que te faz escrever e te faz sentir.  [suspiro. revirar de olhos] Não sei s

Conversas de esplanada

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  Sento-me numa cadeira na esplanada e pouso o coração em cima da mesa. Por uma vez, ao fim de dois anos, sem pensar se a mesa estará desinfectada. Talvez porque, ao cumprir três anos sem ti, tenho outras coisas na cabeça.  Ao lado do coração pouso também o copo de balão com moscatel. Sem gelo, porque isso seria estragar duas coisas boas, dir-me-ias tu se estivesses aqui. Dirias que a esplanada não precisa de ser especial. Nem o dia. Nem sequer o moscatel. Dirias que importa desfrutar do que está aqui. Importa o coração posto nos gestos, a cada momento, procurando fazer o melhor que sabes. Importa estar para quem está a teu lado. É assim que, ainda que sem a tua mão firme a guiar-me, há momentos em que dou pelos meus gestos seguros. Por vezes tão parecidos com os teus - nas coisas que me saem assim porque sim. (Como o concerto dos Humanos, lembras-te? Em que estávamos os dois tão felizes porque o passado se unia ao futuro e nos juntava ali aos dois, nessa cumplicidade sem necessidade d

Poema sobre a curva do meu pescoço

Já vi coisas boas a perderem-se Tantas vezes Que por vezes não consigo evitar Ainda que a espaços O medo Mas depois É na curva do meu pescoço Que tu páras para descansar Como quem se senta ao balcão do seu bar preferido O nariz à procura de se fundir na pele Estacionas como quem diz Tudo bem por aqui Neste cantinho à beira-mar plantado E lá segues tu Como passarinho assobiando por entre os telhados Alheio aos gatos E às pestes que costumam tirar-te o sono A espera cansa E a solidão, em alguns dias Queima Mas depois vem a cadência Do teu respirar consolado e quente A contornar a curva do meu pescoço Às vezes, até há um beijo arrepiado E desse lugar parte um som Espera, já sei (vais achar que é mariquice) Mas há, num eco provocado pelo tempo O som do destrancar de uma fechadura A cada vez que me procuras e ali adormeces Adormeces como quem está no seu lugar E eu Sem perceber bem como, nem porquê Abandono-me ao sono contigo E creio Na esperança dos crentes No optimismo dos que fazem conta

As viagens deste último ano

No último ano, por ocasião do óbvio, tive tempo extra para dar a volta ao castanho redondo dos teus olhos. Por todos os dias que vieram antes desses, em que a pressa, a vida (e às vezes até tu!) me diziam que haviam coisas mais importantes, mais urgentes, mais divertidas para fazer. E agora, porque fomos despidos de tantas dessas coisas (que nos pareciam já tão mundanas e afinal eram essenciais) damos por nós, quais miúdos habituados aos ecrãs, a olhar para um quarto vazio e dois paus no chão, a pensar o que podemos fazer. Uma das minhas formas de lidar com isso: olho à volta no quarto e numero coisas. Conto as minhas bênçãos.  Uma delas, aquela que muitas vezes me ajuda a adormecer: órbitas em torno desses olhos quentes. Do teu olhar-abraço. Um olhar com cheiro. Um cheiro que me diz: confia. E sim, ao longo deste último ano os teus olhos estão diferentes. Costumavam estar brilhantes e cheios de céu, enquanto nos empurrávamos verde adentro de mochila às costas, ou quando só parávamos n

Sobre o que as coisas terríveis nos fazem dentro do peito

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Falava um dia destes com uma pessoa de coração especial. Falávamos sobre o que as coisas terríveis, as más notícias, nos fazem cá dentro. Sobre a revolução cruel que provocam; o irromper abrupto peito adentro, abrindo uma auto-estrada sem olhar a meios - sem tentar(/conseguir?) evitar a destruição.  Metáforas à parte (até porque não pretendo com esta reflexão entrar em politiquices), esta conversa de coração nas mãos e lágrimas nos olhos fez uma ressonância incrível nestas catacumbas. Não consigo deixar de sentir que as más notícias, para além de muito claramente nos abalarem até ao centro de nós, e abalarem a forma como vemos tudo o que nos rodeia, têm um potencial de transformação incrível.  Não é por acaso que se diz que nos momentos de crise se vê quem somos. Ou quem podemos e queremos vir a ser. Porque com esse espaço que se abre no centro de nós, à força bruta, podemos fazer muita coisa. Até um salão de baile. Já imaginaram um salão de baile no meio do vosso peito? Conseguem imag

O meu poema

Abandonei a minha casa, o meu peito. Sabe Deus há quanto tempo. Só sei que era ainda catraia. Estava demasiado calor cá dentro. Abandonei tudo e parti em busca de olhar para fora. E assim tem sido esta viagem, longa como o transiberiano - por vezes igualmente árida -, colada à janela, agarrada ao bilhete com as unhas. Com medo. Medo de perder a minha estação. Medo de não ver tudo o que haja para ver de bonito. Medo de tirar o lugar a alguém que precise mais do que eu. Fui também dedicando cada vez mais a viagem a trabalhar. Para os outros. A servi-los, a tentar antecipar-lhes a sede e as vontades, a trazer aquela almofada extra que nem sabiam que precisavam. À custa de me voltar para fora, mantive-me ocupada. Mas isso já não chega. Continua calor cá dentro. E eis que recebo o telegrama a dizer que tenho de voltar para casa. A minha casa está a arder. E só eu posso combater esse fogo. Voltar para casa quando já nem sequer sei o caminho de cor, para lutar uma batalha que não sinto ser mi