Criar novos sentidos. Desconfortar.

Vivemos tão desatentadamente os nossos dias.
Caminhamos atrás da sombra dos dias. Deixamos que o conforto da rotina transforme o nosso caminho num circuito pré-estabelecido e, no fim de contas perfeitamente circular. Diariamente voltamos a calcar as nossas pegadas do dia anterior, sem mudar de sítio, de posição, de sentido. E ainda assim (que curiosos que somos nós, os humanos!), esperamos resultados diferentes.

Não vou dizer que de vez em quando não nos faz bem. Mas o que mais me incomoda em tudo isto, é o facto de voltarmos a passar todos os dias num mesmo sítio onde, na verdade, nunca nos sentimos felizes, confortáveis ou seguros. E no entanto, por vício de repetição, chamamos-lhe zona de conforto.

É preciso procurar o desconforto, meninos. É lá que se encontra o sorriso rasgado. No músculo que hoje se esforçou durante mais dez segundos do que ontem.
No odor novo que nos detivemos a captar, a caminho de casa, em vez de continuarmos a andar. No olhar lavado sobre as perspectivas de sempre.
Nos estranhos, pessoas com visões diferentes das nossas, que decidimos deixar entrar na nossa vida. Com quem decidimos estar abertos a aprender algo novo - mais que não seja, a reforçar ainda mais as nossas convicções. Mas não sem ouvir primeiro...

Penso nos ramos das árvores. Se eles decidissem que todas as formas de crescer que já existem eram suficientes, provavelmente as árvores seriam todas iguais - os ramos todos estendidos na mesma direcção, simétricos e aborrecidos, como fazemos quando aprendemos a desenhar.
Mas não é assim que funciona, pois não? Nem sei bem se se pode chamar processo de decisão a isto... mas a verdade é que cada árvore tem ramos de formas, comprimentos e sentidos diferentes. Quem sabe se não é naquele novo ramo, mais desajeitado e pequeno, que irá nascer a flor que vai mudar a vida de alguém? Ou pelo menos, se o facto de se torcer todo na ponta não lhe vai permitir dar um pouco mais de sol às suas folhas? (afinal, é isso que os move... a busca de um cantinho ao sol. e não se passa o mesmo connosco?)

Ontem parei o carro na berma da estrada, saída do trabalho, teimando em captar um momento bonito. Quantas vezes me contenho de o fazer por preguiça, pressa, receio?
Quantas vezes me recuso a reparar na pequena beleza do aqui e do agora - gesto que, por si só, torna logo essa beleza maior?
Às vezes é tão simples como isto: parar, respirar fundo, e reparar. E deixar que esse reparo crie um novo sentido em nós.

É isto que quero dizer. Às vezes é preciso sair do carreiro; pensar rápido; arriscar; falhar, até. Mas nós não somos formigas, que diabo.

[ainda acerca dos ramos das árvores: sabiam que elas se assemelham às nossas ligações neuronais? e que quanto mais ligações positivas fizermos - sorrir, reparar numa coisa bonita -, mais ligações novas desse género se irão formar? é que não só a tristeza, mas também a alegria, podem ser viciantes... ainda que tenhamos de forçar um bocadinho no início]



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