Porque é que escreves?

[uma encomenda de uma amiga. ou simplesmente uma pergunta à qual eu queria responder]

E perguntam vocês: porque é que escreves?

Escrevo porque leio. Leio histórias... tantas histórias. Amargas, doces, com bigode ou estrelas.
Faço silêncio para ouvir os corpos que dançam em silêncio: as letras, assim se chamam! E elas chamam por mim. E eu vou.

Vou porque também quero contar histórias. Tenho em mim tantas histórias. Histórias do tempo em que tinha medo de olhar para fora. Histórias de hoje, de sempre. Histórias do agora, de fora.
Sou capaz de juntar letras e com elas formar sonhos! Olho agora para as minhas mãos, e vejo que que fiquei com pó de estrelas nas mãos. Sopro o pó e sorrio. Foi de formar palavras bonitas, umas maiores, outras mais pequenas. Dá trabalho, temos de ajustar. Estica daqui, encolhe dali. Espreguiçam-se as letras, como se fossem braços longos. E depois aconchegam-se umas às outras, como os joelhos dobrados.

Primeiro eu estava calada. Cá dentro nunca houve silêncio, mas era quase só ruído de fundo. Eu ignorava o som. Tapava os ouvidos com as mãos, para não o deixar sair. Mas depois também não ouvia. E nós precisamos de ouvir, se queremos seguir.
Comecei então a ouvir baixinho. E o corpo, ao início enrolado, hirto de medo, foi-se habituando. Foi começando a soltar-se. Foi escrevendo no ar, na sala vazia. Contando a história de como eu fui da cozinha ao quarto, num salto. E foi assim.

Comecei a ler histórias, nos corações alheios. Espreito por janelas distraídas, demoro-me a inventar histórias às personagens que passam. Nesses dias, escrevo porque oiço. Porque vejo e sinto.
Noutros dias, se o céu está muito quieto, eu fico quieta. Voo, sou pena sem cor. Vítima do vento, alegremente inocente nos meus movimentos.

Sentem essa inquietude, assim como um formigueiro? Sacudam-no! Façam gestos tresloucados, abram a mente, o coração. Estiquem-se ainda mais longe...

Não há muitas regras; não é preciso seguir padrões. Experimentem tudo o que conseguem fazer com os braços, as pernas, a cabeça, o coração.
Agora, dêem os vossos passos para longe - passadas largas, confiantes, de pescoço alto e um sorriso nos movimentos. Podem ser lentos ou furiosos, doces ou adormecidos. Silhuetas esguias ou barrigudas. Podem ser um assobio, Podem ser lua, ou uma explosão.
E quando estiverem cansados, respirem fundo, olhem à volta e recomecem. Falem do que vos cansa. Falem de como podem mudar. Mudem tudo com a vossa história. Não tenham vergonha de acordar o mundo.

Olhem para o relógio: ainda sobram tantas horas para dançar.

Comentários

Pedro Ferreira disse…
Brutal grande texto!!!
Wicahpi disse…
Obrigada Pedro, e bem-vindo!

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