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Insistir ou desistir?

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É ser segunda e saber-me a sexta. No amargo sentido. É saber que me devia sentir cheia de energia, retemperada com as boas notícias, o repouso, os encontros e namoros que vieram com o fim-de-semana. Mas o corpo acusa desgaste, alergia, sufoco. Achar-me de corpo e alma sufocada provoca-me uma vontade primitiva de me pôr em fuga, sem mais explicações. De não mais ter de falar, dar a cara, sorrir. Líquido gelado, este cheiro do predador à espreita... Sei que estes são os meus passos ensaiados. Fugir, quando as coisas se põem difíceis. Venho aprendendo a tentar demorar-me, pelo menos tempo suficiente  para aprender a lição. Vou descobrindo que com a insistência, o medo se dilui nas veias e deixa de arrepiar. Passa a fazer parte de mim e ensina-me. Mas hoje, os pêlos na nuca arrepanham a pele. O corpo está dorido e tenso, sugerindo perigo e fuga. É estar dividida entre o dever de cumprir, aprender, mudar... e o corpo, que tenta desesperadamente falar comigo. Acho que no fundo te...

Escorrego e quase caio.

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Escorrega-se-me uma ideia por mim abaixo. Sustenho-a com a respiração, empinando o peito para fora. Fazendo-me forte, está bem de ver. "Faz de conta que não é nada contigo." Que nestas alturas, dar parte fraca pode resultar efectivamente na morte do artista. Como a mão ágil de carteirista que arrebanha o último chocolate da taça, sem ninguém ver. E sem perder a pose. Nunca entendi bem a filosofia de quem vive sem ideias. Porque as ideias são o nosso fogo e a nossa selva, dão textura aos nossos sonhos e fazem-nos transpirar. Umas há, que caem pelo chão ainda antes de serem verbo. É deixá-las. Outras, por seu turno, crescem e avolumam-se dentro da nossa cabeça, como adolescentes glutões e insolentes. Quais gigantes escanzelados, que não param de crescer nem de nos moer a ideia. Com isto rio-me sozinha: imagino um gigante magricela, de cabelo cor de laranja, encafifado no sótão esconso da minha cabeça e a roer-me literalmente o balãozinho do pensamento com os molares. Prendo-...

É sempre amanhã

Cá dentro, hoje há uma canção triste. Ela vai pingando, como um murmúrio que nos prepara devagarinho. E que entretanto se entranha nas nossas rotinas e fica, qual papel de parede, a sugerir como é que nos devemos sentir - às riscas, às bolinhas, floridos, coloridos ou pardacentos. Há cores que se perdem, na paisagem que me desfila, veloz, à janela do coração. Não perco tempo a decifrar significados - se for verde é esperança, se for vermelho vingança. Tempo não me resta nos gestos. Sobra apenas cansaço. E uma monotonia de sesta, a sesta dos que não têm nada de mais útil para fazer. As palavras doces aquecem-me, mas arrefecem logo, como bicho que nunca viu sol. Não me consolam por mais tempo do que aquele que o sopro da linguagem demora a passar. Estrebucho com o ardor dos pés que não saem do mesmo sítio. Resmungo como um velho do Restelo. Quero uma canção diferente, que eu saiba trautear. Mexo-me dois milímetros para o lado, e prometo que amanhã será a caminhada da minha vida. É s...

Música de dentro

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Na maior parte dos dias, vou andando. E depois há dias em que me lembro de como era. De como devia ser. Ou de como realmente é , aqui dentro. Aquele impulso dos sonhos, quando voamos. Aquela força doce, o arrepio na nuca, a certeza que vem de dentro. Gosto de pensar nisso como o som do nosso coração, mas acho que lhe podemos chamar equilíbrio, harmonia. Eu sabia comunicar assim, antes de a dor chegar. Ao ar livre. Entretanto esqueci-me de que existia esta língua;  este lugar . E acho que foi a dor que me distraiu e escondeu o caminho atrás das suas costas. Há tempos, contudo, voltei lá, num daqueles sonhos revestidos por nevoeiro. Também já fui abençoada com breves instantes dessa consciência - como uma fotografia instantânea -, enquanto estava acordada. E admito-me perfeitamente obcecada com esse sabor a paz. Quero mudar-me para lá. Ficar daquele lado. Ainda que isso exija ser malabarista para toda a vida. Sei uma parte do caminho: temos de nos calar e esperar paciente...

A revolta dos suspiros

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Que marioneta é esta, que ocupa agora a voz das minhas mãos, operando por mim? Que me tem pelos tomates, num registo falso de intimidades e preocupações com as aparências - com o que os outros cuidam pensar? Que pele de ovelha é esta, que me assenta tão mal? Que me prende os movimentos, e me cansa ainda antes de tentar? Que me deixa a sós com a cega vontade de disparar um tiro contra o espelho, certa de que enlouqueci em razão do que vejo. E no entanto, é coisa que me consome em silêncio o sangue, despojando-me do desejo, da agressividade, de toda a energia que me restava para ripostar. Fico à espera da revelação de mim mesma, como se da aparição da Nossa Senhora se tratasse, e compreendo que é na espera que reside a verdadeira doença – ficar à espera, em lugar de agir. A boca quer falar mas sai-lhe som de flauta, para a ninguém magoar os ouvidos; o interior quer esbracejar e rugir, mas das mãos saem hesitações, movimentos frágeis, suspiros. Será maldição?, pergunto-me. E logo e...

Mulheres.

Esta cidade, esta sim, sustenta-me o olhar. E eu fico aqui a cheirá-la, qual voyeur descontrolado, bebendo a minha imperial na esplanada e vendo a noite chegar á cidade. O burburinho mantém-se, apenas as cores mudam. Os cheiros também ficam mais coloridos, e a pele arrefece. Mas a alma está quente; fervilha e vibra, pulsa e estala. As línguas diferentes misturam-se no ar como perfumes. A minha curiosidade leva-me a observar tudo o mais possível, sob o olhar atento de quem não percebe os porquês de uma jovem sozinha a beber. Sobretudo no dia da mulher. Gostava que entendessem. Gostava de me chegar a elas e explicar-lhes tudo bem explicadinho, como eu gosto de fazer. É que em 28 anos, esqueci-me sempre de celebrar a única mulher que, querendo ou não, nunca me abandonará. Enquanto isso, coleccionei algumas das que valem a pena. Rasguei da minha vida outras que me rasgaram a vontade de amar. Mas fui-me sempre esquecendo de mim. Hoje, enquanto espero dois homens que há muito são uma força...

Garatuja

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A desilusão é uma garatuja pegada. Ainda que tivesse sido uma construção nossa. Desejar mudar. Pensar, repensar, decidir. Encontrar um passo que nos faz sentido. Investir toda a nossa energia nesse movimento e dar, sem dó nem piedade, de caras com uma parede. Rever o que se fez e apercebermo-nos de que, onde tencionávamos desenhar um rosto, uma casa e um sol, repousam apenas rabiscos confusos de uma mente pouco límpida e de uma mão pouco segura. Não falo, portanto, da mão destreinada de uma criança, que aprende a dominar o traço. Falo antes dos sonhos inflamados que se atropelam para o papel, confundindo os dedos. Ainda assim, a cada garatuja que faço, vejo que a confusão se encontra um tom abaixo em relação à anterior. Demoro-me nesse detalhe morno, em lugar de analisar somente o que lhe falta. Não é que os rabiscos estejam mais alinhados; mas o intento é cada vez mais puro. Porque há uma intenção em cada risco; intenção que eu quero segurar e esmiuçar. Guardo os desenhos ...