Garatuja

A desilusão é uma garatuja pegada. Ainda que tivesse sido uma construção nossa.
Desejar mudar. Pensar, repensar, decidir. Encontrar um passo que nos faz sentido. Investir toda a nossa energia nesse movimento e dar, sem dó nem piedade, de caras com uma parede.
Rever o que se fez e apercebermo-nos de que, onde tencionávamos desenhar um rosto, uma casa e um sol, repousam apenas rabiscos confusos de uma mente pouco límpida e de uma mão pouco segura.
Não falo, portanto, da mão destreinada de uma criança, que aprende a dominar o traço. Falo antes dos sonhos inflamados que se atropelam para o papel, confundindo os dedos.

Ainda assim, a cada garatuja que faço, vejo que a confusão se encontra um tom abaixo em relação à anterior. Demoro-me nesse detalhe morno, em lugar de analisar somente o que lhe falta.

Não é que os rabiscos estejam mais alinhados; mas o intento é cada vez mais puro. Porque há uma intenção em cada risco; intenção que eu quero segurar e esmiuçar.
Guardo os desenhos todos, para segurar o que importa: os traços rotos que me saíram da mão, e que não se deseja repetir; e os detalhes conseguidos, em que o lampejo de obra de arte se reflecte num traço mais firme.

Escolho assim não tratar um borrão como um ramo seco, de onde nada mais pode crescer; deixo-o secar, observo-o atentamente e divirto-me a decidir como transformá-lo na semente de dias melhores.

Comentários

Que poético.
Pelos vistos as tardes de fim-de-semana são mesmo uma fonte inspiradora para a tua escrita.

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