Música de dentro

Na maior parte dos dias, vou andando.
E depois há dias em que me lembro de como era. De como devia ser. Ou de como realmente é, aqui dentro.
Aquele impulso dos sonhos, quando voamos. Aquela força doce, o arrepio na nuca, a certeza que vem de dentro. Gosto de pensar nisso como o som do nosso coração, mas acho que lhe podemos chamar equilíbrio, harmonia. Eu sabia comunicar assim, antes de a dor chegar. Ao ar livre.
Entretanto esqueci-me de que existia esta língua; este lugar. E acho que foi a dor que me distraiu e escondeu o caminho atrás das suas costas.
Há tempos, contudo, voltei lá, num daqueles sonhos revestidos por nevoeiro.
Também já fui abençoada com breves instantes dessa consciência - como uma fotografia instantânea -, enquanto estava acordada. E admito-me perfeitamente obcecada com esse sabor a paz.
Quero mudar-me para lá. Ficar daquele lado. Ainda que isso exija ser malabarista para toda a vida.
Sei uma parte do caminho: temos de nos calar e esperar pacientemente pelos sons do coração. Primeiro escutamos. Depois recebemos. E por fim tocamos.
Eu sei que os instrumentos ainda lá estão, à espera de serem tocados. A dor não lhes trocou as voltas, nem me fez desaprender o gosto pelas cordas. As quatro estações do Vivaldi vão sendo tocadas cá dentro, lentamente, em compasso de espera. Como caixinha de música que se repete eternamente.
A Primavera está à minha espera. No meu coração.

Imagem de Dayna Fairchild

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O dia pode correr mal, mas os teus textos revigoram qualquer um :)

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