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Música de dentro

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Na maior parte dos dias, vou andando. E depois há dias em que me lembro de como era. De como devia ser. Ou de como realmente é , aqui dentro. Aquele impulso dos sonhos, quando voamos. Aquela força doce, o arrepio na nuca, a certeza que vem de dentro. Gosto de pensar nisso como o som do nosso coração, mas acho que lhe podemos chamar equilíbrio, harmonia. Eu sabia comunicar assim, antes de a dor chegar. Ao ar livre. Entretanto esqueci-me de que existia esta língua;  este lugar . E acho que foi a dor que me distraiu e escondeu o caminho atrás das suas costas. Há tempos, contudo, voltei lá, num daqueles sonhos revestidos por nevoeiro. Também já fui abençoada com breves instantes dessa consciência - como uma fotografia instantânea -, enquanto estava acordada. E admito-me perfeitamente obcecada com esse sabor a paz. Quero mudar-me para lá. Ficar daquele lado. Ainda que isso exija ser malabarista para toda a vida. Sei uma parte do caminho: temos de nos calar e esperar paciente...

A revolta dos suspiros

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Que marioneta é esta, que ocupa agora a voz das minhas mãos, operando por mim? Que me tem pelos tomates, num registo falso de intimidades e preocupações com as aparências - com o que os outros cuidam pensar? Que pele de ovelha é esta, que me assenta tão mal? Que me prende os movimentos, e me cansa ainda antes de tentar? Que me deixa a sós com a cega vontade de disparar um tiro contra o espelho, certa de que enlouqueci em razão do que vejo. E no entanto, é coisa que me consome em silêncio o sangue, despojando-me do desejo, da agressividade, de toda a energia que me restava para ripostar. Fico à espera da revelação de mim mesma, como se da aparição da Nossa Senhora se tratasse, e compreendo que é na espera que reside a verdadeira doença – ficar à espera, em lugar de agir. A boca quer falar mas sai-lhe som de flauta, para a ninguém magoar os ouvidos; o interior quer esbracejar e rugir, mas das mãos saem hesitações, movimentos frágeis, suspiros. Será maldição?, pergunto-me. E logo e...

Mulheres.

Esta cidade, esta sim, sustenta-me o olhar. E eu fico aqui a cheirá-la, qual voyeur descontrolado, bebendo a minha imperial na esplanada e vendo a noite chegar á cidade. O burburinho mantém-se, apenas as cores mudam. Os cheiros também ficam mais coloridos, e a pele arrefece. Mas a alma está quente; fervilha e vibra, pulsa e estala. As línguas diferentes misturam-se no ar como perfumes. A minha curiosidade leva-me a observar tudo o mais possível, sob o olhar atento de quem não percebe os porquês de uma jovem sozinha a beber. Sobretudo no dia da mulher. Gostava que entendessem. Gostava de me chegar a elas e explicar-lhes tudo bem explicadinho, como eu gosto de fazer. É que em 28 anos, esqueci-me sempre de celebrar a única mulher que, querendo ou não, nunca me abandonará. Enquanto isso, coleccionei algumas das que valem a pena. Rasguei da minha vida outras que me rasgaram a vontade de amar. Mas fui-me sempre esquecendo de mim. Hoje, enquanto espero dois homens que há muito são uma força...

Garatuja

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A desilusão é uma garatuja pegada. Ainda que tivesse sido uma construção nossa. Desejar mudar. Pensar, repensar, decidir. Encontrar um passo que nos faz sentido. Investir toda a nossa energia nesse movimento e dar, sem dó nem piedade, de caras com uma parede. Rever o que se fez e apercebermo-nos de que, onde tencionávamos desenhar um rosto, uma casa e um sol, repousam apenas rabiscos confusos de uma mente pouco límpida e de uma mão pouco segura. Não falo, portanto, da mão destreinada de uma criança, que aprende a dominar o traço. Falo antes dos sonhos inflamados que se atropelam para o papel, confundindo os dedos. Ainda assim, a cada garatuja que faço, vejo que a confusão se encontra um tom abaixo em relação à anterior. Demoro-me nesse detalhe morno, em lugar de analisar somente o que lhe falta. Não é que os rabiscos estejam mais alinhados; mas o intento é cada vez mais puro. Porque há uma intenção em cada risco; intenção que eu quero segurar e esmiuçar. Guardo os desenhos ...

O amor para as borboletas

Pensando nas borboletas, sei desde logo observar o óbvio: o amor é-lhes leve. Esta análise cuidada tem por base um sem-número de observações das borboletas no seu estado natural, o que me eleva ao estatuto de especialista nas emoções das borboletas. Dei-me inclusivamente ao trabalho de não permitir que elas me vissem, de forma a não interferir nas suas acções. Dizia eu então que nas suas asas de pétala de flor, cabe um mundo inteiro de sonhos - mas tem de ser um mundo leve, delicado. Ora, como todos sabemos, o amor pode ter tanto de ligeiro como de abrupto. Como explicar, então, que a fragilidade de uma borboleta seja capaz de arcar com a energia do amor? As suas antenas captam o amor a léguas; uma borboleta pode deslocar-se quilómetros infindáveis, em busca desse travo picante que se imprime na brisa. A mesma brisa que ora lhes empurra as asas, ora lhes faz resistência ao corpo adocicado. Mas elas perseguem, incansáveis, a resposta ao seu desejo, para lá do sol posto. Lá chegada...

Menino guloso

um texto de outros tempos. que de tempos a tempos, volta a fazer-se contemporâneo para alguém. O ser humano... tanto que ele se dá a mossas e desvarios. Engana-se, desengana-se e multiplica-se em desilusões, à partida iludido com falsas soluções. Ou como dizem as avós, "taroucos", dados a "avarias". São os que eu mais adoro, os taroucos. Ou não fosse eu dada a sinas e desgraças. Gosto deles como quem pára para ver o acidente, mesmo sabendo que nada de muito bom deverá advir daí. "És guloso. Assim te chamo dentro da minha cabeça. Queres a ginja que dorme dentro do bombom, planeando desprezar o chocolate que lhe serve de pele. Um enorme jeito de dedos, como experiente carteirista, se te requer para retirares o suco e a fruta, deixando o chocolate de aspecto imaculado. Mas na verdade, ele fica vazio; e novo toque quente de dedos iludidos em busca do todo fá-lo-á ruir. Tonto de sede, é a magia do primeiro toque que procuras. Nessa química cheirosa que todos co...

Sobre a praxe. Uma opinião.

Não posso falar do que não vi. De quem não conheço. De lugares e ocasiões onde não estive. Pela mesma ordem de ideias, não posso fazer julgamentos sobre nada disso. Limito-me, assim, a falar sobre o que vi, o que conheço, e os lugares e ocasiões que fui, que foram em mim. A praxe não é toda igual, desde logo, porque quem faz a praxe são as pessoas . E estas são capacitadas de um dom único e fantástico: a idiossincrasia. Logo, tudo é possível. Maximizamos este potencial de diversidade quando combinamos as pessoas em grupo - todo um outro fenómeno, capaz de transformar praias paradisíacas em estradas de cimento. Adiante, o que eu vi. Eu conheci alunos mais velhos, com quem nunca teria coragem de falar, se não fossem as praxes. Graças a isso, conheci mais de perto a Faculdade onde entrei; integrei-me . Construí, com a ajuda das actividades desenvolvidas em praxe, uma rede de apoio social dentro da faculdade - grupos de amigos do meu ano, colegas mais velhos. Recebi muita informação ...