Sobre a praxe. Uma opinião.

Não posso falar do que não vi. De quem não conheço. De lugares e ocasiões onde não estive.
Pela mesma ordem de ideias, não posso fazer julgamentos sobre nada disso. Limito-me, assim, a falar sobre o que vi, o que conheço, e os lugares e ocasiões que fui, que foram em mim.
A praxe não é toda igual, desde logo, porque quem faz a praxe são as pessoas. E estas são capacitadas de um dom único e fantástico: a idiossincrasia. Logo, tudo é possível. Maximizamos este potencial de diversidade quando combinamos as pessoas em grupo - todo um outro fenómeno, capaz de transformar praias paradisíacas em estradas de cimento.
Adiante, o que eu vi.

Eu conheci alunos mais velhos, com quem nunca teria coragem de falar, se não fossem as praxes. Graças a isso, conheci mais de perto a Faculdade onde entrei; integrei-me. Construí, com a ajuda das actividades desenvolvidas em praxe, uma rede de apoio social dentro da faculdade - grupos de amigos do meu ano, colegas mais velhos. Recebi muita informação sobre o curso, sobre as cadeiras difíceis, sobre os professores difíceis e os inesquecíveis. Aprendi a importância de receber bem os que chegariam nos anos vindouros, de forma a que fosse um bocadinho mais fácil para eles, tal como fora para mim.
Fui também integrada num espírito de respeito pelas hierarquias, que são necessárias, factuais, reais - fazem parte da nossa vida, em todos os contextos e etapas.
Em jeito de brincadeira, fui lembrada de que os companheiros de praxe são como os meus irmãos, entre quem é fundamental existir cooperação; os colegas mais velhos, pela sua experiência, merecem o meu respeito e posso contar com a sua ajuda; os professores e a Faculdade merecem de todos nós acrescido respeito, porque estão ali para nos apoiar, para nos formar e ajudar a crescer.
Conheci de forma intensiva o lugar onde iria crescer ao longo de 5 anos. Em brincadeiras e jogos, ganhei um enorme à vontade naquela que seria a minha casa. Vi também colegas, isolados, vindos de longe de Lisboa, a conhecerem por entre jogos e risos a cidade que os albergaria. A brincar a brincar, foi mais fácil.
Criei ligações e conheci pessoas com quem provavelmente nunca teria sequer falado. Algumas destas relações, para a vida. Pelo caminho, impuseram-se várias tomadas de decisão, que foram mais informadas graças ao precioso apoio dos mais velhos, ao longo desses 5 anos.
Nunca fui humilhada, nem obrigada a nada. São alguns dos dias mais doces que recordo da minha vida académica. Passei por algumas situações de exposição e comicidade, e também essas tiveram um propósito: lembrar-me de ser humilde. De nunca me achar mais do que ninguém. De que vou estar, ao longo de toda a vida, exposta a situações difíceis, e que a melhor forma de lidar com isso é contar com as pessoas ao meu lado, e pedir ajuda quando precisar.  Pude parar no preciso instante em que quis. Ouvi falar de brincadeiras que não me faziam sentido, mas não tive de fazer parte delas, nem sequer de assistir.
Mais ainda: senti-me parte integrante da minha Faculdade. Sinto orgulho em ter passado por isto, e em ter ajudado a passar este pedaço de cultura aos que vieram depois de mim, ajudando-os a sentirem-se integrados também.
Cresci. E não o fiz sozinha.
Por isso, meus caros, não  argumentem que a praxe merece, globalmente, julgamentos e condenações. Quem faz a praxe são as idiossincrasias, e os grupos. Não é a praxe que os faz a eles.
Humilhação é trabalhar a vida inteira honestamente e um dia, de repente, ser informado de que aquilo para que trabalhámos toda uma vida, e que é nosso por direito... Deixou de repente de ser nosso. Vergonha é tirarem o pouco de quem já não tem quase nada. E isso, não proíbem?

Comentários

Bonito texto sobre o assunto :)
Os primeiros "pontapés na parede" foram sentidos nas últimas frases, estarei correcta?

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