Mensagens

E eu aqui sentada a escrever. E tu a morder o lábio.

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Mordo tantas vezes a língua. E talvez tenha passado uma boa parte da minha vida a morder a língua para evitar dizer coisas menos boas. Para não magoar alguém. Para conter a criança impulsiva. E também para não me deixar ouvir. Mas agora, porque até ver a Terra continua a girar sobre si própria, a vida vai dando umas voltas engraçadas. E eu dou por mim a morder a língua para não te falar das coisas bonitas que levo dentro do peito. Desses objectos indescritíveis e inomináveis que são os sentimentos que sinto por ti, que não cabem dentro de mim. Que preciso de partilhar. E já vejo a tua sobrancelha a arquear-se, num movimento lento com efeito de mola. A boca a mover-se como se tivesses palavras presas dentro da boca, uma garfada de estrelas que não consegues deixar sair. Vejo-te a expressão contida; os olhos a esforçarem-se, enquanto tentas maquinar uma forma nova de me explicar que só interessam os actos, e não as palavras. E eu aqui sentada a escrever. Esta é a única parte do...

As três bênçãos.

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[Esta semana retomei um exercício que há muito não fazia: o das três bençãos. É um exercício que nos pede que diariamente atentemos a pelo menos três coisas boas que aconteceram no nosso dia, e pelas quais estamos gratos. Este exercício leva-nos a estarmos mais presentes e a focar a nossa atenção em coisas positivas que nos acontecem todos os dias, mas das quais aprendemos a distrair-nos. E assim, sem darmos por isso, criamos hábitos que fazem tão mal ou pior do que um hamburguer, descuidando a nossa dieta emocional. Não sei se sabem, mas ao transformarem estes hábitos, esse simples processo pode alterar circuitos neuronais, e com isso aumentar o nosso sentimento de bem-estar - por várias razões com as quais não vou agora aborrecer-vos. Gosto de chamar-lhe um “desfazer de nós” na nossa mente, e recomendo-o clinicamente muitas vezes. Já o fazia na minha cabeça, ocasionalmente. Mas agora, a conselho de quem sabe, faço-o por escrito, diariamente. Porque os dias não têm sido fáceis, r...

Segredo do ir.

Essa criança pura, de olhos cheios de rugas. Tão cheia de medos quanto está de anseios, não se deixa parar - nem quando está cansada; talvez especialmente aí. Pode não saber bem por onde caminha em todo e cada dia, mas isso não a trava - e às vezes, é pura e simplesmente esta audácia roçando a ignorância que mantém tão vivo o brilho dos seus olhos. - Então mas vais assim? Então e se... - Não posso trabalhar com "ses". Deixa vir. Deixa ver. E eu arregaçarei as mangas e lidarei com o que vier. Como sempre fiz. Nem sempre nem nunca, menina, aconselham os sábios e os experientes por entre dentes. - Isso está tudo muito bem - diz a menina, antecipando-lhes os pensamentos - e eu vou ter isso em conta. Mas não vou deixar de tentar. Tentar é o único verdadeiro passo antes de conseguir. Com o medo, vou deixar-me ficar aqui. E isso sim, isso não vai ser bom para mim. Porque o medo torna-se raiz. E raiz ó é boa enquanto nos ajuda a continuar a crescer. Muitos provavelmente a j...

Carta ao meu querido mês de Setembro

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Querido Setembro: Vou admitir-te isto bem baixinho, só para ti que me podes ouvir: o coração é um lugar estranho. Por mais metódico que se seja; por mais disciplinado e comedido. Por mais suor que se derreta a construir um mundo que nos faça sentido, por mais esforço que se ponha na criação de regras. Haverá sempre um dia em que damos por nós a movermo-nos num círculo, procurando formas de morder a língua. E se não as arranjarmos, vamos na mesma. Só ainda não sei dizer-te se isso define sempre e apenas a loucura, ou se um dia também poderá ser o primeiro passo para um caminho feliz. Onde as saudades teclam aquela mensagem inconveniente por nós. Onde aquela música é teimosa em aparecer e provoca uma lágrima que se deixou domar. Onde damos por nós no sítio certo, mas de coração inquieto (e disso é preciso tirar lições, sem deixar de aproveitar o que se pode). Onde o sono é escamoteado e onde a falta daquele olhar (daquele que é carícia; porque a falta dos outros lá aguentamos) ...

palavras.

Os anos vão trazendo alguma estabilidade.  [percebo agora que a estabilidade  que chega, no entanto, não está no chão, mas sim nas pernas.] Conheço o medo bem de perto; nunca tive lata de o tratar por tu (embora ele nunca me tenha tratado de outra forma), mas convivemos lado a lado há muitos anos. E posso dizer que só há bem pouco tempo comecei a atrever-me a encará-lo nos olhos. E não é que o gesto não me faça tremer por dentro; simplesmente, passou a ser mais importante atravessar esse rio e arriscar ir ao fundo, do que ficar do lado de cá da margem sem nunca saber o que poderia ter sido. E encarar o rio, concentrando-me apenas na força das minhas pernas para me manter de pé, tem-me trazido essa estabilidade. Experiência, alguns lhe chamariam. Agora que penso nisso, há outra coisa que vem ganhando formas diferentes para mim - sobretudo ultimamente. As palavras. E se eu sou menina de palavras...! As palavras podem ter um poder magnífico, se nos permitirmos. E quando f...

Ronronar.

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[nem sei explicar a benção, o alívio que é por vezes olhar para uma página em branco. haverão dias em que é um aperto; mas noutro dias, como hoje, é como um daqueles suspiros profundos que esvaziam o peito; a prometer acontecer dali a nada, quando a página estiver cheia.] Esta sensação apertada, enquanto te pões a caminho de um sítio novo. O nervosinho no estômago, e o sorriso desaparafusado. Há um sabor tão diferente a dançar na boca - meio picante, que pede para beber algo doce. E quando molhas os lábios no alívio doce, dás por ti a ansiar por mais desse picante. Como entrar no mar, e depois receber o calor. E precisar novamente do mar, num círculo tão perfeito quanto poderia ser eterno, se o dia nunca terminasse. Pôr de lado as sombras, os ses e tudo o que me diz que este caminho pode às tantas estar errado. E se elas (as sombras) insistirem em aparecer, estou até com disposição de criança para brincar às escondidas. Não conheço o caminho, mas já conheço as minhas pernas - sei...

Tirei-te a fotografia quando te conheci

I rrita-me, a obrigação de comprar prendas. Adoro fazê-lo espontaneamente, mas detesto o dedo espetado do calendário, de sobrancelha levantada a fazer exigências - a tensão provocado não deixa margem para a espontaneidade.  E a espontaneidade é daquelas coisas que todos já tivemos, mas de que a vida nos foi despindo - e é o meu objectivo, chegada a uma nova fase da minha vida, redescobrir essa camada de mim, que me faz tão bem à pele e ao coração. Porque sinto que me volta para mim própria. De qualquer maneira, onde eu queria chegar era que, ao contrário do ritual consumista de comprar uma prenda, não sinto qualquer tipo de pressão - mas pelo contrário, um enorme prazer - com a ideia de escrever umas linhas para alguém. Pegar num tópico, num sentimento - e deixar que ele leve a caneta. Ou neste caso, os dedos. Por isso, celebrem-se os anos novinhos em folha, celebre-se a espontaneidade assim mesmo, com o que temos de melhor. Tirei-te a fotografia quando te conheci Tin...