Tirei-te a fotografia quando te conheci

Irrita-me, a obrigação de comprar prendas. Adoro fazê-lo espontaneamente, mas detesto o dedo espetado do calendário, de sobrancelha levantada a fazer exigências - a tensão provocado não deixa margem para a espontaneidade. 
E a espontaneidade é daquelas coisas que todos já tivemos, mas de que a vida nos foi despindo - e é o meu objectivo, chegada a uma nova fase da minha vida, redescobrir essa camada de mim, que me faz tão bem à pele e ao coração. Porque sinto que me volta para mim própria.

De qualquer maneira, onde eu queria chegar era que, ao contrário do ritual consumista de comprar uma prenda, não sinto qualquer tipo de pressão - mas pelo contrário, um enorme prazer - com a ideia de escrever umas linhas para alguém. Pegar num tópico, num sentimento - e deixar que ele leve a caneta. Ou neste caso, os dedos. Por isso, celebrem-se os anos novinhos em folha, celebre-se a espontaneidade assim mesmo, com o que temos de melhor.

Tirei-te a fotografia quando te conheci

Tinhas o cabelo arrumado por natureza, e (na minha memória) tinhas posto perfume na orla da camisola 
Conseguiu sobrepor-se ao aroma a sardinhada do arraial - senti-o assim que encostei a minha cara à tua para te beijar - tarefa difícil, já que deves medir mais uns bons trinta centímetros do que eu 

Mas foste desde logo um cavalheiro e não deste parte fraca - dobraste-te de tal forma que só me apercebi da tua altura dias depois, quando voltámos a ver-nos.
(É mestria, conseguir fazer alguém sentir-se ao mesmo tempo tão pequeno e tão grande.)

Com isto do perfume quero dizer que desde logo se fez sentir a tua marca. Tens assim um jeito fácil de envolver as pessoas - mas sem desculpas, muito teu. O charme e a mão segura. A mão forte, ao ponto de uma teimosia enraizada, ocasionalmente substituída por uma curiosidade infantil

Tirei-te a fotografia. E em cada dia encontro pormenores novos nela.


Foi uma agradável surpresa, descobrir noutra pessoa a capacidade de me fazer escancarar portas e janelas. Entraste pela porta, sem mais demoras - até porque os teus gestos demonstram esta mistura gira de alguém que não tem tempo a perder, mas ao mesmo tempo se permite olhar em volta e saborear tudo como se houvesse todo o tempo do mundo.

A idade traz muita coisa. Uma delas é o reconhecimento de que as coisas levam tempo para se revelarem - e acho que alguma paciência se desenvolve, em saber esperar para ver. Ao contrário daquela sede jovem (que por vezes ainda se manifesta) mas que com facilidade nos conduz a uma parede. 
Por isso ainda não sei. Reservo essas certezas para os deuses e deixo cair da minha mão a necessidade de controlar. Cinjo-me aos factos.

Facto é que devolves cor. Com um sabor subtil a mar, uma delicadeza entalada nas calças que se desvanece quando te permites rir. E quando ris, sim, escancaras portas e janelas, com o teu sorriso aberto e genuíno. Cheiras a qualquer coisa de verdadeiro que já se terá passado na minha vida. Na vida de muitos de nós, crianças felizes. Talvez por isso, esta sensação ocasional de que já te conhecia. E é também com o teu sentido de humor acutilante que desperta um sabor a casa e a pouco.

Não é fácil escrever sobre alguém que estamos a aprender a conhecer. Não é fácil fazê-lo sem deixar a imaginação voar. Mas talvez seja mesmo esse o encanto desta interacção. A aprendizagem de uma doce calma apressada, de uma contenção fluida em que a maturidade tem um papel essencial.
Em pouco tempo já me fizeste ver que o equilíbrio é um jogo delicado. Mas fizeste cócegas nos meus pequenos pés e fizeste-os caminhar nessa direção.

Agora aguenta-te.

(E diverte-te)




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