palavras.

Os anos vão trazendo alguma estabilidade.
 [percebo agora que a estabilidade  que chega, no entanto, não está no chão, mas sim nas pernas.]

Conheço o medo bem de perto; nunca tive lata de o tratar por tu (embora ele nunca me tenha tratado de outra forma), mas convivemos lado a lado há muitos anos. E posso dizer que só há bem pouco tempo comecei a atrever-me a encará-lo nos olhos. E não é que o gesto não me faça tremer por dentro; simplesmente, passou a ser mais importante atravessar esse rio e arriscar ir ao fundo, do que ficar do lado de cá da margem sem nunca saber o que poderia ter sido. E encarar o rio, concentrando-me apenas na força das minhas pernas para me manter de pé, tem-me trazido essa estabilidade. Experiência, alguns lhe chamariam.
Agora que penso nisso, há outra coisa que vem ganhando formas diferentes para mim - sobretudo ultimamente. As palavras.

E se eu sou menina de palavras...!

As palavras podem ter um poder magnífico, se nos permitirmos. E quando falo em permissão, ela pode ser de ambas as partes - pode ser o poder de nos permitirmos dizê-las, ou o poder de nos deixarmos arrebatar por elas. Porque é absolutamente - sim, absolutamente! - delicioso, quando conseguimos construir com palavras a réplica texturada  do que nos vai no peito, ou na cabeça. E é de uma força incrível, quando nos permitimos libertar-nos do que cá vai. Ao mesmo tempo, pode ser transformador para aquele ou aquela a quem dirigimos essas palavras. Claro está, para o bem e para o mal. E aqui sugere-se cautela. Mas insensibilidades aparte, por vezes não imaginamos o quanto uma palavra, uma história, um gesto podem transformar a pessoa que temos à nossa frente. E se já reparou, caro leitor, sim, sou acérrima defensora da partilha. Se sinto, se vejo, se tenho - porque não partilhá-lo?

Por outro lado, não se subestime também a nobreza e o carácter que é permitirmo-nos receber - a pausa, o verdadeiro entendimento e procura de receber o que acabou de nos ser estendido em palavras. É uma ponderação e um  respeito difíceis, que nem sempre conseguimos ter - inclusivamente por nós próprios.

Antes que me esqueça, algo igualmente  importante - uma mestria que continuo a não dominar, mas que me tem tomado os dias - é compreender, no fluir natural de uma interacção, onde é que cabem os silêncios. Porque eles são as respirações, são o encher o peito de ar. Por vezes são o limpar da lente, o afinar dos instrumentos. São essenciais. Ainda que também possam ser dolorosos ou difíceis;  de interpretar, por exemplo. E daí a importância do respeito, do escutar. Muito mais do que falar.

Aprendi a sonhar com palavras! Aprendi a ansiar por elas, porque sei como elas podem transformar-me, encher-me. E da mesma maneira, sou generosa a usá-las. Para quê guardá-las para mim?
Assim sendo, talvez esteja a ficar velha, penso, quando dou por mim a sentir-me inquieta quando vejo alguém que não entende este desafio. Quando no lugar das palavras que vemos a bailar nos olhos, há um silêncio. Um desprezo da capacidade de leitura do outro, uma defesa, o medo. [Aquele velho amigo.] Ou então palavras contraditórias, que contam uma história que nos baralha. Alguns terão o atrevimento de lhe chamar um engano. Se for esperto, caro leitor, acreditará algumas vezes - mas não acredite sempre. Confie no seu instinto. É que a partilha é uma forma de honestidade - e eu acredito na honestidade como o melhor caminho para tudo o resto.

Ora bem. Uma reflexão sobre as palavras. Foi nisso que se transformou o meu desafio hoje.

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