Carta ao meu querido mês de Setembro

Querido Setembro:

Vou admitir-te isto bem baixinho, só para ti que me podes ouvir: o coração é um lugar estranho.

Por mais metódico que se seja; por mais disciplinado e comedido. Por mais suor que se derreta a construir um mundo que nos faça sentido, por mais esforço que se ponha na criação de regras.

Haverá sempre um dia em que damos por nós a movermo-nos num círculo, procurando formas de morder a língua. E se não as arranjarmos, vamos na mesma. Só ainda não sei dizer-te se isso define sempre e apenas a loucura, ou se um dia também poderá ser o primeiro passo para um caminho feliz.

Onde as saudades teclam aquela mensagem inconveniente por nós. Onde aquela música é teimosa em aparecer e provoca uma lágrima que se deixou domar. Onde damos por nós no sítio certo, mas de coração inquieto (e disso é preciso tirar lições, sem deixar de aproveitar o que se pode). Onde o sono é escamoteado e onde a falta daquele olhar (daquele que é carícia; porque a falta dos outros lá aguentamos) nos rouba o ar.

Por isso, querido Setembro, mais uma vez venho rezar-te. Venho pedir-te com o meu jeitinho de sempre - aquele jeitinho de quem faz beicinho se não lhe fizeres a vontade, mas que na verdade vai sorrir-te, seja qual for a carta que fizeres calhar-lhe - que deixes ficar um bocadinho de sol no fundo do saco, para mim. Tenho para mim que vou precisar de um pouco de sorte para entrar neste Outono que aí trazes.

Dou por mim a fazer-te sempre pedidos, ano após ano. Pedidos que na realidade estou a dirigir a mim própria. ['Your vision will become clear only when you can look into your own heart. Who looks outside, dreams, who looks inside, awakes.' Carl Jung] Porque a quem mais, senão a mim própria, posso pedir a coragem de não deixar descolar a alma do coração? Habituada a crescer devagarinho e a ser mimada em cada gesto, dou por mim a pedir-te favores. Mas sempre foste augúrio de boas mudanças para mim. E se posso pedir alguma coisa, é só que entres devagarinho; que me deixes manter os dois pés no chão, e ir molhá-los, de vez em quando. Para não me esquecer de mim. O resto faço eu. Isso de respirar fundo e continuar a arrumar a casa. Com medo ou sem ele; trazes-me força para falar assim. Contigo sou capaz de enfrentar estas mudanças vestindo um sorriso. Talvez seja só da luz meiga em que mergulhas tudo. Mas resulta comigo.

Isto não é graxa. Adoro-te, Setembro. Mesmo que me molhes a boca com chuva.

[e só para não dizer que só peço para mim, põe também um pedacinho de sol na mochila de quem me ajudou a redescobrir a luz que existe nas manhãs. leva-lhe um bocadinho de luz e coloca-lha no colo, assim como quem acorda ao lado do sol. essa é a minha definição de karma]

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