Mensagens

Carta ao meu querido mês de Setembro

Imagem
Querido Setembro: Vou admitir-te isto bem baixinho, só para ti que me podes ouvir: o coração é um lugar estranho. Por mais metódico que se seja; por mais disciplinado e comedido. Por mais suor que se derreta a construir um mundo que nos faça sentido, por mais esforço que se ponha na criação de regras. Haverá sempre um dia em que damos por nós a movermo-nos num círculo, procurando formas de morder a língua. E se não as arranjarmos, vamos na mesma. Só ainda não sei dizer-te se isso define sempre e apenas a loucura, ou se um dia também poderá ser o primeiro passo para um caminho feliz. Onde as saudades teclam aquela mensagem inconveniente por nós. Onde aquela música é teimosa em aparecer e provoca uma lágrima que se deixou domar. Onde damos por nós no sítio certo, mas de coração inquieto (e disso é preciso tirar lições, sem deixar de aproveitar o que se pode). Onde o sono é escamoteado e onde a falta daquele olhar (daquele que é carícia; porque a falta dos outros lá aguentamos) ...

palavras.

Os anos vão trazendo alguma estabilidade.  [percebo agora que a estabilidade  que chega, no entanto, não está no chão, mas sim nas pernas.] Conheço o medo bem de perto; nunca tive lata de o tratar por tu (embora ele nunca me tenha tratado de outra forma), mas convivemos lado a lado há muitos anos. E posso dizer que só há bem pouco tempo comecei a atrever-me a encará-lo nos olhos. E não é que o gesto não me faça tremer por dentro; simplesmente, passou a ser mais importante atravessar esse rio e arriscar ir ao fundo, do que ficar do lado de cá da margem sem nunca saber o que poderia ter sido. E encarar o rio, concentrando-me apenas na força das minhas pernas para me manter de pé, tem-me trazido essa estabilidade. Experiência, alguns lhe chamariam. Agora que penso nisso, há outra coisa que vem ganhando formas diferentes para mim - sobretudo ultimamente. As palavras. E se eu sou menina de palavras...! As palavras podem ter um poder magnífico, se nos permitirmos. E quando f...

Ronronar.

Imagem
[nem sei explicar a benção, o alívio que é por vezes olhar para uma página em branco. haverão dias em que é um aperto; mas noutro dias, como hoje, é como um daqueles suspiros profundos que esvaziam o peito; a prometer acontecer dali a nada, quando a página estiver cheia.] Esta sensação apertada, enquanto te pões a caminho de um sítio novo. O nervosinho no estômago, e o sorriso desaparafusado. Há um sabor tão diferente a dançar na boca - meio picante, que pede para beber algo doce. E quando molhas os lábios no alívio doce, dás por ti a ansiar por mais desse picante. Como entrar no mar, e depois receber o calor. E precisar novamente do mar, num círculo tão perfeito quanto poderia ser eterno, se o dia nunca terminasse. Pôr de lado as sombras, os ses e tudo o que me diz que este caminho pode às tantas estar errado. E se elas (as sombras) insistirem em aparecer, estou até com disposição de criança para brincar às escondidas. Não conheço o caminho, mas já conheço as minhas pernas - sei...

Tirei-te a fotografia quando te conheci

I rrita-me, a obrigação de comprar prendas. Adoro fazê-lo espontaneamente, mas detesto o dedo espetado do calendário, de sobrancelha levantada a fazer exigências - a tensão provocado não deixa margem para a espontaneidade.  E a espontaneidade é daquelas coisas que todos já tivemos, mas de que a vida nos foi despindo - e é o meu objectivo, chegada a uma nova fase da minha vida, redescobrir essa camada de mim, que me faz tão bem à pele e ao coração. Porque sinto que me volta para mim própria. De qualquer maneira, onde eu queria chegar era que, ao contrário do ritual consumista de comprar uma prenda, não sinto qualquer tipo de pressão - mas pelo contrário, um enorme prazer - com a ideia de escrever umas linhas para alguém. Pegar num tópico, num sentimento - e deixar que ele leve a caneta. Ou neste caso, os dedos. Por isso, celebrem-se os anos novinhos em folha, celebre-se a espontaneidade assim mesmo, com o que temos de melhor. Tirei-te a fotografia quando te conheci Tin...

Um nada que parece um fio de luz

Caíam pessoas dos céus. Como se fossem peças de xadrez, mas sem fazerem qualquer tipo de ruído ao caírem no chão. Algo lhes amparava a queda - não faço ideia o que poderia ser. Caíam pessoas à minha volta. Provavelmente não haveria nada que eu pudesse fazer. Mas isso nem sequer importa - porque onde eu quero chegar é que nem sequer me dei conta de nada. Isso nada importava. Estava ocupada a seguir um fio de luz. Não sei sequer precisar-lhe a forma. Pus na cabeça que podiam ser pirilampos - e que bonito que isso foi de imaginar, de sentir. Mas não posso precisar-lhe a origem, ainda... sinto que ainda estou a seguir esse fio, embora já não o consiga ver. Tudo o que sei até ao momento foi que me prendeu o olhar, trouxe-me de volta ao aqui e ao agora, e abraçou toda a minha atenção. Ainda sei falar-vos do burburinho que senti. Assim um bocadinho como um formigueiro doce, que se sente quando o corpo sabe para onde quer ir. Sem grandes explicações, sem grandes porquês e muitos "se...

No vale dos anseios.

Imagem
É do vale dos anseios que vos chego, hoje. Lá para o fundo de uma caixa, talvez. Onde, feito o inventário e dispersos os efeitos especiais dissuasores de atenção, estou sozinha. Um lugar onde tantos se encontram tantas vezes - sozinhos, todos eles. Mas onde nunca ninguém se sente acompanhado, por mais rumores que oiçam dizendo que isto é normal, que acontece a muito boa gente. Isto porque se trata de um jogo invisível. Não é a perna que incha, nem o osso que parte. Nem sequer se pode dizer que é o coração que pára de trabalhar - isto porque o coração em boa verdade é uma bomba, e não um reservatório de emoções, como metaforicamente descrevemos. Porque esta é casa de escritores, poderíamos, ainda assim, permitir-nos a metáfora do coração cansado... mas não, nem assim se descreve. Ansiedade. Talvez seja simplesmente perder o controlo sobre o que acontece ao nosso corpo, tornando-nos espectadores que não obstante sofrem também as consequências (ao estilo de um cinema com efeitos...

Pela toca do coelho abaixo

Imagem
Já experimentaram correr de coração vazio? O peito altera-se com a respiração, assoberbado com o ar que entra e o que sai, ambos apressados, caóticos, desorganizados. Mas um ar vem, outro vai. Nenhum dos dois fica, verdadeiramente. Momento houvesse em que disso o peito se pudesse aperceber - aí ele se confrontaria com o salão vazio, onde mora apenas um nó. Mas um nó é como coisa morta, não adianta; apenas atrasa, se tanto. E o ar lá vai contribuindo para esta confusão, com as suas manobras de diversão. Esta espiral não ajuda nada. Down the rabbit hole Os tempos não estão para grandes luxos. Em tempo de guerra, ainda assim, não se limpam armas. Portanto vamos lá. Às pequenas coisas que nos mantenham ao de cima. Agora que penso nisso, um pequeno luxo é o momento do banho. Permite-se aquecer finalmente o corpo, mergulhando em água demasiado quente, demorando um pouco mais para deixar que o calor vá mais além. Que desça a toca do coelho e massaje, ainda que subtilmente, o dit...