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Pinguins e sobremesas.

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Pensei em ti quando vi isto. Não sei se é uma boa definição de amor; mas é, sem dúvida, uma óptima definição do nosso amor. A sobremesa partilhada era uma coisa nossa - quando estávamos a dois, com um grupo de amigos ou com família, as duas colheres num só prato a meio da mesa eram a nossa forma de dizer que éramos uma equipa. Das boas. As sobremesas são, agora que penso nisso, a metáfora perfeita: a dois sabe melhor. Partilhar as coisas um com o outro era natural, para nós. Quando já tínhamos barrigas cheias e deitávamos o olho à sobremesa, aceitávamos o desafio, desde que o fizéssemos juntos. Ou quando duas sobremesas diferentes nos atraíam, uníamo-nos e fazíamos frente aos dois pratos, saboreando dois em vez de um. E nunca tu me olhaste de esguelha por ver a minha colher aproximar-se do teu prato. Sempre adorei isso em ti. E tenho esperança que tu adorasses a minha atitude refilona, quando tiravas colheradas gigantes (ou se calhar irritava-te, não ...

A carta do até já.

Foi na noite de 12 de Fevereiro de 2016. Estava um daqueles dias em que a chuva não se descolava dos céus, em que as nuvens não se cansavam de chorar. Até o tecto da sala chorava. O Benfica perdia a duas bolas contra uma para o Porto, os comentários sucediam-se nas redes sociais; picardias, maus perderes, regozijos pouco fundamentados. Estávamos longe disso, tu e eu, entregues a uma tarefa muito mais humana. Foi nessa noite que decidimos, tu e eu, deixar doer. Foi mágica, a maneira como chegámos aqui. Agradecemos um ao outro. Desabafámos os nossos medos, as inseguranças que nos arrepanhavam nos últimos tempos. Rimos de coisas boas que partilhámos, fizemos caricaturas do que está para vir. Acho que não podia ter havido mais paz naquilo que fizemos. Mas houve, sem dúvida alguma, o rebentar de uma nascente de dor. Sabes o que me irrita? É que só agora, com esta dor inacreditável a escorrer-me do peito em ondas, é que consigo ver as coisas co...

Dias (sem) algodão doce.

E agora? O coração pede para escrever. Venho sentindo que preciso de mais. O mundo pula e avança, como diz o outro, e eu sinto que não estou onde me sinto feliz. Vai daí, tento pular de volta para o último sítio onde me senti inteira e desinteressadamente feliz. Por sua vez, o mundo trata de me mostrar que não estou pronta para isso. “Ainda não é o momento”, murmura, antes de voltar a posicionar-se subtilmente de costas para mim. Como alguém que vai no lugar à nossa frente no metro, se levanta e vira para nós, nos fala educadamente e volta a sentar-se, estão a ver? Muito educado, o mundo. Mesmo quando está a dar-nos um pontapé no traseiro. Procuro fazer sentido de todos estes acontecimentos, que a vocês poderão parecer coisa pouca, mas que para mim são imagens coladas numa sucessão incansável através do ecrã do comboio. Estico as mãos e os braços para agarrar qualquer coisa. Procuro transmitir toda a minha energia através das pontas dos dedos. Ainda assim não cheguei lá....

Amo-te, mas... voar!

Amo-te muito, mas quero voar. Amo-te tanto, meu amor, mas hoje preciso de partir. És tudo aquilo que procurei, agastada, ao longo dos tortuosos e errantes anos verdes da adolescência. Mas hoje, um cheiro irresistivelmente diferente atrai-me para fora do ninho. Não penses, amor, que vou com ligeireza. É o cheiro de outros voos, amor, dos sonhos que fazem de mim quem sou. Esses sonhos que levam a que vocês, os de sempre , me gozem. Mas são esses mesmos sonhos que me tornam tão macia de abraçar, que me tornam um colo ternurento e uma alma espicaçada. Só que, desconfio, os sonhos são matéria insuflável : eles têm a capacidade de se insuflarem e tornarem em objectos muito diferentes daquilo que aparentavam inicialmente. Mas se passarem anos encafuados num sítio sem conhecerem uso, correm o risco de se agastarem com a espera. E chegado o dia em que uns lábios corajosos decidam abraçar o pó para os encher, poderá já haver um buraco que os impeça de tomar forma (ou pelo menos, de atingi...

Eu descomplicarei. Nós descomplicaremos.

Abro os olhos e está à minha frente. Uma divisão ampla, luminosa, limpa. Encostados à parede estão alguns caixotes. O princípio de tudo. A espreitar de uns estão pontas de livros. Noutros, discos de vinil. Sei que a primeira coisa a aparecer na sala, pronta a trabalhar como eu, vai ser o leitor de vinil. No centro da sala, será o centro das minhas atenções, quando ainda não houver sofá nem televisão. Vai haver paz de alma. Haja um copo de balão, uma garrafa de vinho e os vinis a saltarem como pipocas. Haverá escrita, imagino. Haverá luz, e tempo. Haverá a cada dia, um dia apenas; um passo de cada vez. Um recomeçar que é na verdade o início. Haverá um charriot no quarto, para albergar a roupa. Simples. À vista, como eu gosto. E os tesouros que guardo no meu baú, serão os primeiros a povoar orgulhosamente o meu cantinho. Tudo será descomplicado. Cada objecto será cuidadosamente pousado no seu lugar, a inaugurar. E o mundo irá fazendo sentido. Não haverão gritos, nem pessimismos. ...

O baú

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Há um baú no meu sótão. Ele transborda já com os meus sonhos, os meus pequenos "tudos", os meus anseios. Que já não cabem todos dentro dele, que já levantam a tampa como se pedissem para saltar de lá. Porque há a tradição do enxoval. Também a mim me calhou, e começou com uma brincadeira. Mas tornou-se numa coisa muito séria, com os anos. Terá começado com um avental. Uns paninhos da loiça. Hoje, já reúne bules chineses, tabuleiro e chávenas para o café, toalhas de mesa, utensílios de cozinha, mantas de retalhos, até botinhas de bebé - vá-se lá saber, cor-de-rosa! Fui lá coscuvilhar, respirar o ar das coisas novas que daqui a bocado se estragam antes de serem usadas. Fui lá encher o peito de ar. E de coragem para saltar, dê lá por onde der. Já não chega dizer que se quer. Tem de se ir. E como se diz em bom português, quem vier atrás que feche a porta.

A Primavera dos dias

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São dias mais compridos, com mais luz. As plantas do jardim cheias de botões - promessas de juventude e de cor. Os cheiros intensificam-se, tornam-se mais quentes, acompanhando a temperatura, que já se vai espraiando. Até ver. As andorinhas andam por aí. Já as oiço, ao final do dia, num frenesim. E ainda hoje vi um par delas explorando uma poça, à procura de materiais para construir as suas casas de Verão. Os dedos tamborilam, contentes - normalmente, esta é uma altura que inspira a escrita. E eu ando a acumular materiais, como as andorinhas. Consigo senti-los atravessados no peito. Mas há aqui umas esquinas da alma que ainda estão à sombra. Cantos de mim, que a luz jocosa da estação ainda não consegue alcançar. Apesar dos seus braços elegantes e longos, dos compridos dedos de pianista, travessos e delicados. A espessura do nevoeiro não se deixa ainda atravessar. E com isso, a vontade de escrever e a falta de saciedade chocam como dois bons irmãos. É um aperto, senhores, um a...