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Eu descomplicarei. Nós descomplicaremos.

Abro os olhos e está à minha frente. Uma divisão ampla, luminosa, limpa. Encostados à parede estão alguns caixotes. O princípio de tudo. A espreitar de uns estão pontas de livros. Noutros, discos de vinil. Sei que a primeira coisa a aparecer na sala, pronta a trabalhar como eu, vai ser o leitor de vinil. No centro da sala, será o centro das minhas atenções, quando ainda não houver sofá nem televisão. Vai haver paz de alma. Haja um copo de balão, uma garrafa de vinho e os vinis a saltarem como pipocas. Haverá escrita, imagino. Haverá luz, e tempo. Haverá a cada dia, um dia apenas; um passo de cada vez. Um recomeçar que é na verdade o início. Haverá um charriot no quarto, para albergar a roupa. Simples. À vista, como eu gosto. E os tesouros que guardo no meu baú, serão os primeiros a povoar orgulhosamente o meu cantinho. Tudo será descomplicado. Cada objecto será cuidadosamente pousado no seu lugar, a inaugurar. E o mundo irá fazendo sentido. Não haverão gritos, nem pessimismos. ...

O baú

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Há um baú no meu sótão. Ele transborda já com os meus sonhos, os meus pequenos "tudos", os meus anseios. Que já não cabem todos dentro dele, que já levantam a tampa como se pedissem para saltar de lá. Porque há a tradição do enxoval. Também a mim me calhou, e começou com uma brincadeira. Mas tornou-se numa coisa muito séria, com os anos. Terá começado com um avental. Uns paninhos da loiça. Hoje, já reúne bules chineses, tabuleiro e chávenas para o café, toalhas de mesa, utensílios de cozinha, mantas de retalhos, até botinhas de bebé - vá-se lá saber, cor-de-rosa! Fui lá coscuvilhar, respirar o ar das coisas novas que daqui a bocado se estragam antes de serem usadas. Fui lá encher o peito de ar. E de coragem para saltar, dê lá por onde der. Já não chega dizer que se quer. Tem de se ir. E como se diz em bom português, quem vier atrás que feche a porta.

A Primavera dos dias

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São dias mais compridos, com mais luz. As plantas do jardim cheias de botões - promessas de juventude e de cor. Os cheiros intensificam-se, tornam-se mais quentes, acompanhando a temperatura, que já se vai espraiando. Até ver. As andorinhas andam por aí. Já as oiço, ao final do dia, num frenesim. E ainda hoje vi um par delas explorando uma poça, à procura de materiais para construir as suas casas de Verão. Os dedos tamborilam, contentes - normalmente, esta é uma altura que inspira a escrita. E eu ando a acumular materiais, como as andorinhas. Consigo senti-los atravessados no peito. Mas há aqui umas esquinas da alma que ainda estão à sombra. Cantos de mim, que a luz jocosa da estação ainda não consegue alcançar. Apesar dos seus braços elegantes e longos, dos compridos dedos de pianista, travessos e delicados. A espessura do nevoeiro não se deixa ainda atravessar. E com isso, a vontade de escrever e a falta de saciedade chocam como dois bons irmãos. É um aperto, senhores, um a...

Secrets. [let's try it in english]

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I have never been good at keeping secrets. Secrets seem to linger in my lips, dancing like the bitter note of lemon in the tongue. They appear to be only waiting for the opportunity to get caught. They are such children; playing hide and seek inside me, squealing over the possibility of reaching the hot point – words. Only they can they become real. After I have said this, it is most certain that you will not want to share your secrets with me. It’s ok. I know you will not believe me now, but I have gotten used to keeping everyone else’s secrets, actually – just not mine. And thinking of the poor little secrets crouching inside, who can blame them? I mean, wouldn’t you want to become real? Who wouldn’t run like mad to get the chance to reach the light of day for the first time? Do you think you would be happy to stay inside, watching the sun spreading his arms through a tiny window? Admiring it from far, not really being allowed to feel the warmth of its rays on your skin? ...

Um reflexo dos dias.

Hoje preciso de me sacudir. Como uma perna encolhida tempo demais, que precisa depois de exercer o reflexo de uma esticadela. E volta ao normal, dentro de algum tempo. Não sabia que podia amar-te mais. Não sabia que o tempo podia transformar aquilo que é forte, em algo ainda mais forte. Nem que o coração podia guardar-se para depois dar ainda mais de si, expandindo-se como um buraco negro ao qual nunca conhecemos verdadeiramente as dimensões. Nem onde nos leva. Continuo a pasmar-me com os sítios bonitos onde as emoções nos levam. Continuo a aprender. Por vezes é um carrossel demasiado rápido para que possamos processá-lo; outras vezes, é um mar calmo de pasmaceira e rotina. Continuo sem saber onde os dias nos vão levar. Tu teimas em não me dizer, garantes que não sabes. Mas continuo a sonhar. Os sonhos, esses, são um barco até Tróia - firme, seguro, guiado pela linha do pôr-do-sol, pelas ondas quietas que se agitam à sua passagem, lambendo-lhe o casco. A distância só te trouxe ...

Viagens. E o sítio certo. Sem sair do sítio

Não há palavras para o calor no coração. Para essa paz de nos sabermos no sítio certo. Neste caso quando as mãos, ainda desajeitadas com a falta de prática, pegam num recém-nascido pela primeira vez, para o observar e apresentar à sua mãe. A luz tem de ser a mínima possível, para não incomodar. O tom de voz calmo, a energia serena. Poucas palavras, acções suaves mas assertivas. Tudo parece coadunar-se com a energia que o nosso coração sabe produzir, mas que sempre sentiu ser desadequada, olhando à volta. Porque isto quer-se é energia, tom alto, hoje em dia, em todo o lado. Palavras soltas e sem grandes cuidados. Aqui não. Há que escolher as palavras com cuidado. Os actos têm um guião, que a cabeça tem de tornar parte de si - saber de cor, para usar consoante a pequena janela de oportunidade que aquele novo ser tem para oferecer. Aqui me integro, me ausento de tudo o resto para estar presente no que interessa. Estar no momento presente, sem arrastar mais nada ali para dentro. Entendo...

Coisas boas que são como janelas.

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No ano ido de 2010, escrevi precisamente sobre este tema: as pequenas coisas boas, que são como janelas. Hoje, em fase de reflexões, introspecções, turbilhões e outros "ões" parecidos, parece-me interessante voltar a pegar nesta perspectiva. Porque as coisas boas são como janelas... trazem-nos a claridade e a clareza que nos falta, na lufa-lufa dos dias apressados. Abrem-nos um quadradinho pequenino por onde a luz passa, e incide naquilo que realmente importa. Ilumina o nosso coração nos momentos em que nos sentimos sem energia.  Acordar e ter o pai discretamente à minha espera, entabulando pequenas conversas e tarefas para se entreter enquanto me espera, para o simples prazer de ir beber um café com a filha, de braço dado. Ir com a mãe, braço dado Lisboa fora ( a nossa cidade), para ver montras, passear, alegrar os olhos, conversar como duas amigas. Dito isto, é inegável a ligação de mãe e filha, para quem nos vê passar, tal é a semelhança no jeito de andar e nos caracó...