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Coisas boas

Ia a caminho de casa às 22h da noite, depois de duas horas de dança. O silêncio era tal, enquanto caminhava, que dei pela chegada dos chuviscos. Dei por mim a deter-me no meio do caminho. Que som é este? Um tamborilar ténue. Um gotejar doce. Primeiro uma, depois outra, lentas e inseguras aos meus ouvidos. Podia ser só impressão minha. Guardo a respiração para mim e ponho-me a escutar. Silencio as pressas. A Terra está de braços abertos, a receber silenciosamente. Senti esta energia na pele, no troço de pele despida do pulso, no cabelo preso no alto da cabeça. Ouvi uma gota a esparramar-se sobre uma folha, outra sobre a relva. Uma após outra, numa combinação louca de instrumentos. Sinto-me como se tivesse entrado numa sala e surpreendido um momento íntimo, do qual não consigo fugir agora. Fico a observar, a sentir. O valor do silêncio. Traz-nos pequenos instantes como este. Em que em vez de corrermos para dentro de casa a fim de evitar a chuva, escolhemos aguarda...

O poder de um baú

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Nada como abrir o baú do modesto "enxoval" para recuperar perspectivas. É um baú de madeira, pequeno, de tampa pesada. Está escondido no sótão, e raramente o abro. Hoje abri-o, para lhe juntar uma caixa de agulhas e alfinetes, que um dia me poderão dar um jeitão nos remendos. Olho para as pegas que trouxe de Londres na minha viagem de finalistas; para o bule chinês com os copos de chá; para o avental que a minha avó me comprou, da sua cor favorita, amarelo. Levanto dois panos com motivos orientais, e o quadro de prata com o Buddha talhado; desta feita, coisas que eram dos meus pais e que adornarão o meu cantinho. Encontro o serviço de café colorido que me deu a futura "sogra"; sorrio, pensando como desejo um dia poder servir-lhe um café naquelas mesmas chávenas! Encostado a um dos lados do baú, está um tabuleiro de plástico, com desenhos coloridos de fachadas de prédios de Paris. Imagino este tabuleiro a viajar com muitos pequenos almoços até à ...

À descoberta.

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Agora [e por enquanto!] cheia de tempo, vou procurando a história que em mim está ainda por descobrir! Leio livros que me inspiram. Recorto palavras e expressões. Guardo sensações no coração. Como recortes de jornal numa caixa de sapatos, à espera de uma oportunidade para as juntar e com elas fazer sentido. [para mim? para os leitores? não sei.] Existem personagens em mim, que vou conhecendo, coleccionando e guardando. De coisas que sei, vejo e vivo. Baseadas em pessoas. Baseadas em mim. Baseadas em misturas de essências e existências. Sei que uma dessas personagens anseia especialmente por existir, nas páginas de um livro. Uma delas [talvez uma apenas. talvez mais.] vai ser capaz de me ocupar os dedos por dias a fio, com uma história de princípio meio e fim, escrita à desgarrada, como tudo o que em mim brota: intenso, com um quê-de-louco, e esperançosamente bom. Existe uma corrida desenfreada à espera de ser provocada, mas eu ainda não descobri,...

Luz. por geração quase espontânea*

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Saio de casa. Vou sem nada. Espero nada. Mas lavo bem os dentes e a cara, tiro o cabelo dos olhos. Para me poder rir descaradamente, para enfrentar a vida de cara erguida, olhos abertos. Para beijar espontaneamente. E para deixar que a luz em mim comece finalmente a deixar-se ver. Depois visto roupa que não prenda os movimentos e vou dançar, desfazendo-me na música. O corpo expressa-se por mim, eu desapareço nele. Vou à boleia num corpo solto. E esqueço-me de pôr os sonhos em pausa, porque a dançar tudo é possível. Até voar.

A dor de querer sonhar [pequeno]

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Desejo fugir. Nunca pensei vir a ter vontade de fugir de algo que não se mexe, que não sai do sítio. E que ainda por cima faz parte de mim. Como é o caso do meu país . Mas sonhar com o dia de amanhã parece ter-se transformado numa doença, aqui neste cantinho à beira-mar plantado! Acreditar num amanhã melhor, num futuro, por mais simples e humilde que seja a construção, é agora irrealista e exagerado! E eu não estou pronta para abdicar do meu direito a sonhar! Não aceito que me tirem isso! Em pequeninos, todos nós sonhávamos com castelos de princesas, super-carros, vidas de filme! À medida que crescemos, vamos adaptando [mais ou menos!] os nossos sonhos à realidade que vamos conhecendo. Mas nunca pensei que um dia, o estado do país onde nasci e cresci me viria a vedar o acesso a coisas como ter filhos, um trabalho minimamente estável, uma carreira, um tecto! Ainda que queiramos sonhar pequeno... não dá! E isso dói! Cria pessoas sem nada a perder... Olhamos à noss...

Sonhos.

Se há coisa que nunca me faltou, foi capacidade para sonhar. Frequentemente, falta-me a motivação para os perseguir. Mas isso é um outro assunto. Agora imaginação para me projectar mais à frente, vivendo e arriscando, isso sempre tive de sobra. Por vezes acho que são os sonhos em excesso de "produção" que me atrapalham os passos do dia-a-dia; parece que se acumulam à frente dos meus pés como bichos molengas, fazendo-me tropeçar. Ilustrando melhor, imagino os sonhos como o meu cão, um pastor alemão enorme que gosta de se encostar preguiçosamente nas pernas das pessoas e impedi-las de andar, como estratégia para receber festas. Sonhos acontecem na minha cabeça como fogo de artifício. Formam uma casa dentro de mim, que vai crescendo e criando uma forma cada vez mais única. Coisa simples, como furar o nariz, conseguir deixar de roer as unhas, habituar-me a andar de bicicleta para todo o lado. Estes seriam o rés-do-chão da minha casa de sonhos. A seguir, sonh...

Bloqueio

Há uma história que um dia se deixará escrever. Quando o meu coração finalmente me libertar as mãos... E eu sinto que terá qualquer coisa de fantástico nela! Acredito nesta história, sem ainda a ter lido ou construído! Mas já a sonho há muito tempo. Por alguma razão que eu ainda não descortinei, esta história está dentro de mim escondida, sem dar sinais de vida, como um bebé que se recusa a nascer. O momento deveria ser de reflexão. Crescimento. Espaço. De me voltar para mim mesma e perguntar-me, de mulher para mulher: "o que é que tu queres da vida, afinal?!", esperando indubitavelmente uma resposta aos gritos e possivelmente uma discussão. Quero dar asas a esse sonho, com tanta intensidade quanta eu tenho cá dentro. Talvez seja a única certeza no peito, a não dispensar. Mas este bloqueio... Dá vontade de o morder, como se fosse uma almofada, até o romper e sentir nos dentes as penas a soltarem-se, finalmente livres...