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Baloiço

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Hoje sentei-me no baloiço. Não obstante a chuva teimosa, o céu de dentes rangentes, as caras franzidas. Ajeitei as meias às riscas que me chegam ao joelho, levantei as saias e aconcheguei-me nesse tesouro da infância que é o baloiço. No baloiço fazemos o quê? Equilibramo-nos. Fazemos força para avançar. Para subir. Sabendo que em seguida voltaremos a descer. Deixamos o cabelo voar, voamos com ele. Esticamo-nos. Brincamos a esse doce balançar. Eu balancei. Querem saber o que descobri? Tenho 25 anos. Idade mais do que suficiente para chegar com os pés ao chão. Tirei um curso, e mais do que isso, acabei-o com prazer e distinção. Como quem recebe uma estrela para pôr na bata da escola primária. O auge. Tenho esperanças, equilíbrio, planos, ideias. Tenho amigos com quem brincar no recreio, tenho amor, que me protege. Tenho vida! Não tenho liberdade... Ai, espera! Não tenho o quê? Mas como é que se pode andar de baloiço e não ter liberdade para voar? Vamos voltar atrás... apagando esta últi...

As asas que eram minhas

Sentava-me na praia. Todas as tardes. Achei sempre, na minha humildade entrecortada, que só aquele pedacinho de praia me dizia respeito. Calcorreava os habituais quilómetros até à praia, parte pelos montes, e o resto pelo paredão. Corria numa parte do percurso, de música em jeito de parada militar. O que me fazia correr sempre, todos os dias, era a imagem da minha praia ao fundo. Por esse bocadinho de mim eu ansiava, e por ele me esforçava. Era o bocadinho do dia em que estava sozinha. Sem problemas de outrém às costas. Sem preocupações, sem outras vozes nem tudos ou nadas. Só eu. Chegava suada, exausta. Mas com um sorriso. Sentava-me sempre na mesma duna, como se de lugar marcado se tratasse. Com o mesmo rigor que distingue a cadeira M-12 da M-13. Sempre no mesmo lugar. Um ritual, imaginam. A música aqui já não interessava. Procurava só o som do mar. Da minha solidão a acompanhá-lo, como um tambor que fica ao fundo. A cabeça esgotava-se de pensamentos, muitas vezes tendo que me obriga...

Há noites assim. (Ode aos desconcentrados).

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Encontro-me assim a modos que mal aviada. Fico a olhar para a fatia de lua amarela lá fora, pelo rectângulo encaixotado no tecto, enquanto as nuvens bailam à sua volta, sem nunca se vincarem. Leves, soltas, como se quisessem dizer-me que nada do que é belo fica. Finco as unhas na perna, para me obrigar a concentrar. Com uma dose de estimulantes (legais!) por mim abaixo, que me devia dar vontade de convidar a tese para dançar. Nada. Levanto-me para esticar as pernas, rodo o pescoço, e sinto as articulações como que coladas (tretas!, que isto com 24 anos é impossível ser verdade), obrigando-me a mexer. Volto a sentar-me. Mexo no cabelo, mesmo a tempo, uma madeixa solta-se. Assim não dá para trabalhar, e perco mais cinco minutos em busca de um gancho que resolva o problema. Se calhar preciso de inspiração, penso eu, e navego em busca de músicas e de frases e de coisas (que nada têm a ver com a tese), mas eis que não tenho ligação à Internet, e lá vai de mais dez minutos até conseguir ver ...

Pensamentos rápidos de uma qualquer madrugada.

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O amor é algo de muito estranho. Quando pensamos que já se entranhou em nós, ele surpreende-nos, enterrando-se ainda mais na pele, no coração. Quando pensamos que já o conhecemos de cor, ele torna-se comboio, ganha vida e abalroa-nos. Quando nos esquecemos da sua intensidade, acordamos um dia a sentir o seu abraço, mais apertado do que nunca. Sentimos uma saudade surda e tão burra, tão irracional, apenas com um dia de vida, mas que se instala e que nos incomoda, até ao próximo beijo. Quando achamos que sabemos o que é o sabor do amor, ele aparece, como cócegas suaves nos pés, nas coisas mais pequenas, revelando-se ainda mais doce. Quando penso que já não me podes surpreender, eis que dou por mim a suspirar...*

A plantinha que sou.

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Algo vai mudando. Algo em mim vai crescendo, devagarinho. Imagino-o como um pequeno rebento, uma pequena plantinha que vai desabrochando do solo, quase invisível. E um dia, quando o sol lhe toca, ela já mostra uma tímida folha verde. Dois dias depois, já rebenta mais uma ou duas folhas. E assim, com a timidez dos primeiros passos de uma criança, vai-se revelando. E é bonita! Pequena, igual a tantas outras, mas ao mesmo tempo, fascinante na sua idiossincrasia. Somos, sem dúvida, únicos. Um misto de coisas nos foram tocando, alimentando, a uma vez amarrotando ou protegendo. E isto somos, hoje. Temos coragem para nos vermos ao espelho? Para aproximarmos a cara até ver bem fundo, lá para dentro da máscara exterior, e tocarmos naquilo que o nosso íntimo esconde? E brincamos com esses bocadinhos de nós? Conhecemo-los, mesmo de olhos fechados, apenas tacteando? Ou será que temos medo, e nos deixamos levar pela segurança do que os outros (pensam que) sabem sobre nós? É mais confortável, cert...

A verdade sobre o voar

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Estava um velho sentado no jardim, de costas arqueadas como se o mundo concentrasse em si todo o seu peso. Da sua boca saíam apenas murmúrios, de queixumes e arrependimentos, de sonhos frustrados e coisas por fazer. Parecia dizer: "Devolvam-me, tudo o que eu não pude ter, dêem-me, agora, tudo o que vocês têm a mais do que eu. Se vocês têm, porque é que eu não hei-de ter?!" "E o mundo, que não acaba?! E eu aqui sentado, sozinho, porque ninguém se quer sentar comigo, ninguém tem tempo, ninguém gosta de mim!" Um menino passava pelo banco de jardim, de mão dada com a sua mãe, e levava consigo um redondo balão vermelho. Ao ouvir o velho, que resmungava em arquejos sem se dirigir a ninguém (e com isto, dirigindo-se a todos), o menino parou, largando a mão da mãe, e colocou-se de frente para o velhote. "Senhor, mas porque é que não se levanta e não vai atrás dessas pessoas, que diz que queria ter ao pé de si? Elas não podem adivinhar que está aqui! E pelo caminho, pro...

"Ele há dois caminhos..."

Atravessa-me o medo de aqui voltar. Ao mesmo tempo, uma necessidade em forma de bola se vai avolumando no peito, tornando insuportável mais um minuto sem escrever. O tempo também não tem deixado, ainda que muito dele se perca, dizem, em cafés, em sonhos adiados, em devaneios. A dor de cabeça arrasta-se, como uma corrente pesada e barulhenta, não me deixando pensar. Uma pausa no trabalho e no esforço permitiu-me, ao afastar-me, sentir-me grata. Perceber, analisar, compreender que tenho tanta coisa boa na minha vida. Que finalmente cheguei a um momento de portas abertas, de possibilidades e de pontes. Reconheci-me de cabeça levantada ao espelho. Reconheci-me amada, mais forte, mais minha, e por fim, mais independente. Vi-me cantar para mim própria, pelo prazer de me ouvir. Entretanto, como não podia deixar de ser, recebi uns pontapés. Umas vergastadas injustas de um lado, uns sermões mal dirigidos do outro. Porque tudo o que é bom e se diz forte, tem de ser necessariamente posto à prova....