A verdade sobre o voar


Estava um velho sentado no jardim, de costas arqueadas como se o mundo concentrasse em si todo o seu peso.
Da sua boca saíam apenas murmúrios, de queixumes e arrependimentos, de sonhos frustrados e coisas por fazer.
Parecia dizer: "Devolvam-me, tudo o que eu não pude ter, dêem-me, agora, tudo o que vocês têm a mais do que eu. Se vocês têm, porque é que eu não hei-de ter?!"

"E o mundo, que não acaba?! E eu aqui sentado, sozinho, porque ninguém se quer sentar comigo, ninguém tem tempo, ninguém gosta de mim!"

Um menino passava pelo banco de jardim, de mão dada com a sua mãe, e levava consigo um redondo balão vermelho. Ao ouvir o velho, que resmungava em arquejos sem se dirigir a ninguém (e com isto, dirigindo-se a todos), o menino parou, largando a mão da mãe, e colocou-se de frente para o velhote.
"Senhor, mas porque é que não se levanta e não vai atrás dessas pessoas, que diz que queria ter ao pé de si? Elas não podem adivinhar que está aqui!
E pelo caminho, procure esses sonhos, essas coisas que quer fazer! Há sonhos para toda a gente, podemos partilhar! E uns têm umas coisas, outros têm outras... Se ficar aí sentado é que eles não vêm ter consigo!
Tome, eu dou-lhe o meu balão, para poder voar mais alto. Eu não preciso dele, posso voar sozinho. Mas o senhor, como está muito triste, assim fica com mais forças. E agora desculpe, mas tenho que ir ter com a minha mãezinha. Sabe, eu gosto muito dela, e nós quando gostamos das pessoas temos que o mostrar!"

E enquanto o menino se voltava correndo para a sua mãe sorrindo-lhe, o velho, que não havia parado nem para respirar enquanto falava, engoliu um soluço molhado, mergulhando em silêncio nas lágrimas da verdade com que o menino salpicou o seu coração, e que derreteram o espinho que nele se enterrava como uma tecla encravada.

Comentários

Indio disse…
Pela 1ª vez tenho uma critica negativa sobre um texto teu :p. Acho que está bom mas a parte da criança parece um adulto a falar.

Mas podia ser uma criança já muito adulta :p eheheheh

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