Sobre o que as coisas terríveis nos fazem dentro do peito

Falava um dia destes com uma pessoa de coração especial. Falávamos sobre o que as coisas terríveis, as más notícias, nos fazem cá dentro. Sobre a revolução cruel que provocam; o irromper abrupto peito adentro, abrindo uma auto-estrada sem olhar a meios - sem tentar(/conseguir?) evitar a destruição. 

Metáforas à parte (até porque não pretendo com esta reflexão entrar em politiquices), esta conversa de coração nas mãos e lágrimas nos olhos fez uma ressonância incrível nestas catacumbas. Não consigo deixar de sentir que as más notícias, para além de muito claramente nos abalarem até ao centro de nós, e abalarem a forma como vemos tudo o que nos rodeia, têm um potencial de transformação incrível. 

Não é por acaso que se diz que nos momentos de crise se vê quem somos. Ou quem podemos e queremos vir a ser. Porque com esse espaço que se abre no centro de nós, à força bruta, podemos fazer muita coisa. Até um salão de baile. Já imaginaram um salão de baile no meio do vosso peito? Conseguem imaginar o burburinho, a luz, os tacões no soalho?

Por vezes, nestes dias de notícias difíceis, ponho-me às escuras a imaginar. A deixar que isso me abale sem me destruir. Que desconstrua para talvez me permitir começar a construir algo totalmente novo. E isso dá-me alento. 

Da mesma forma, nestes dias trato especialmente bem as boas notícias. Trato de lhes pegar com um saco de veludo e colocá-las à luz, para as saborear. Uso-as para puxar os cantos da minha boca para cima e deixo-as demorarem-se o tempo que quiserem. 

Não quero que elas tenham pressa. Eu própria já gastei a pressa toda com as notícias menos boas, com as pressões, com os socalcos. Com os buracos na estrada.


E sabem o que percebi? Que depois de um socalco pode sempre haver mais outro. Ilusão de óptica. Não se pode confiar totalmente nos olhos, já dizia o Principezinho.


O que o Principezinho não disse, mas já alguém terá dito, é que temos sempre mais força para subir esses socalcos do que inicialmente pensámos. Ilusão de óptica invertida. Mais que não seja sentando-nos às escuras a respirar fundo e a tentar equilibrar o bater do nosso coração com o ritmo das obras cá dentro.


A cada socalco, tento lembrar-me de parar para respirar cada pequena boa notícia. Deixo que me repuxe os cantos da boca. E sigo caminho, com o corpo a balançar-se ao ritmo das obras, e o coração aberto. Esperando para ver.

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