Grata. devagarinho.

Devagarinho. Como o rumor de um tambor ao longe, numa cidade que se espera desprovida de tambores. Como o ronronar quase surdo de um gato, a um tempo apaixonado e terapêutico, vibrando subtilmente sob as nossas mãos.
Um borbulhar indivisível no meio das ondas, das correntes. Quase, digo eu e sublinho, quase indistinguível.
A um ritmo que enlouqueceria qualquer são; um passo de tartaruga doente, um sol amarelo e fraco que praticamente se confunde com um dia nublado.

É assim que descrevo esta sensação lenta no peito, que saboreio quase sem respirar, com medo que me fuja. Paciente como em tempos fui a observar os animais a brincar, até me poder aproximar e fazer parte do seu mundo, observo e aguardo, grata desde já.

Grata por este rumor no peito, cujos passos fazem lembrar o brilho de viver que em dias passados me encheu os olhos. Grata por poder sentir algo parecido, depois de ter mergulhado durante anos numa lama baça que me impedia de ver qualquer tipo de luz - sobretudo a luz que vem de dentro. Grata por ainda ser capaz de a reconhecer. Grata por sentir que a solidão não diminui este palpitar - antes, aconchega-me o sono, acalma-me o peito quando o que vem de fora é demasiado. Grata por esta solidão que me amarra o sorriso ao corpo quando os outros se aproximam, ou quando eu me aproximo deles. Grata por este lugar onde estou e de onde vejo esse coração que consigo ser, os gestos que já são meus e que relembram essa alma com coragem.

Grata por olhar para o baloiço do parque das crianças, mesmo em frente à minha janela, e já só me sentir tranquila. Ouço os brincares e as alegrias que traz, ao longo do dia; por vezes as suas pequeninas vozes de grandes vontades vêm ter comigo, e fazem-me sorrir. Já sei esperar, porque já sei que vai acontecer - um dia destes, vou deixar cair a vergonha, a pressa e os medos, e vou sentar-me a andar naquele baloiço - longe da luz do dia, longe das pressas e das vergonhas, entregando-me pela mão a mim própria. Sem esperar que me venham pegar na mão.

E ainda assim sabendo que, se acontecer, se alguém quiser partilhar o baloiço, saberei ser igualmente feliz. É a isto que se chama esperança?

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