Alguém por aí, que também esteja a recomeçar?

[Hoje pensava nisto.
Pensava ao longe, sem me envolver demais. Ou pelo menos sem me envolver ao ponto de doer.
E decidi escrever. Para mim, mas não só. Para os que possam andar por aí, e que também dêem por si aqui, onde estou]

Sou carrasco de mim mesma, das minhas ideias e tentativas. Fosse eu restaurante novo, e seria também o crítico impassível e draconiano que destruiria, com palavras rebuscadas, todo e qualquer projecto de sonho desse restaurante - cingir-me-ia a todo e qualquer movimento dos empregados, a toda e qualquer tentativa de inovação criativa na cozinha, a toda e qualquer combinação de ingredientes e sabores nunca antes tentados. Resumindo, eu sou o meu pior pesadelo.

E faz agora cerca de um ano e meio que me lancei numa tentativa furiosa de mudar a minha vida. Comecei uma revolução, acreditando que com o tempo poria também este crítico porta fora. Até ao momento não aconteceu, claro está, mas pelo menos já o tenho ido acalmando. E já tenho ido aceitando que ele está por cá.

Resumiria esta revolução (que ao contrário da dos cravos, tem sido sangrenta) num só verbo: recomeçar.

Mas lá está: tenho tentado, com todas as forças, sabotar este recomeço. Desacreditando-me (quem é que pensas que és?), duvidando (quando é que achaste que ias ser capaz de fazer isto?), manipulando a realidade (nunca vais conseguir sozinha!), até me cansar.
(já me esquecia de uma outra: arranjar maneira de me esquecer das coisas boas que faço, e pelas quais me devia sentir orgulhosa de mim mesma - isso? não era assim tão importante).

Mas de vez em quando a vida traz-nos coisas. E muitas, muitas vezes, se estivermos atentos, ela traz-nos exactamente aquilo de que precisamos. Sem pescar por nós, mas coloca uns indicadores (por vezes em néon!) de onde conseguiremos os elementos para uma cana de pesca.

Mostra-nos, por vezes colocando uma pessoa na nossa vida. Ou através daquele livro que andamos a adiar ler há anos, e que um dia cai da prateleira enquanto limpamos. Um filme que passa por acaso na televisão. Uma conversa onde menos a esperamos. Por vezes, uma conjugação de várias destas coisas (talvez porque andamos a dormir, e precisamos de várias pistas). Mas o trabalho é nosso. Só agarramos, e só vemos, se quisermos ver.

Não te esqueças disto, coração esquecido: um dia quiseste encontrar um cantinho só para ti, encontrar a tua paz. E muito lutaste por isso. E conseguiste!

E agora, que aqui estás...
Tantas vezes te entristeces com o teu caminho, diferente das tuas "iguais", cujo percurso segues com carinho, ainda que um pouco à distância. Algumas já com filhotes, outras casadas, acompanhadas, viajando. Mas já te perguntaste quantas delas gostariam de ter esta oportunidade - e não tiveram, porque não calhou, porque não deu, ou porque decidiram assim, mas ainda assim gostariam de ter passado por isto?

Este silêncio escolhido, onde te podes cuidar em primeiro. A espontaneidade de um caminho que se desenha pelos teus pés, livre, seja com um livro que pede para ser lido tarde fora, ou um copo de vinho que se bebe ao jantar porque sim. Horas passadas à janela. Longos minutos a cuidar das aromáticas. Uma ida espontânea ao cinema. Ou as cantorias na cozinha, na casa de banho, no quarto... até o cão da vizinha começar a uivar.

Estar sozinho não é fácil. Mas este espaço vazio que por vezes ameaça engolir, pode ser espaço para dançar. Para escrever. Para o que quiseres. É teu.
O mundo inteiro está aí, ao virar da esquina. Às vezes é assustador, pensar que existe tanto para escolher e decidir - pode ser avassalador. Mas as decisões não se tomam todas num dia. E também ele é teu - o tempo.
Por isso, mantém-te descalça, despenteada e de olho aberto e curioso. Ainda és uma miúda. Cuida de ti. Não subestimes os dias difíceis, mas faz como diz o outro: carrega no baton, abusa do verniz, e põe os pontos nos is.

Illustration by Yaoyao Ma Van As

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