Reflexões do caos

Há um enlouquecimento puro nos dias. Repararam?

Corremos da cama para o trabalho; só paramos para nos olharmos ao espelho de forma a garantir que não estamos ridículos (com alguma madeixa de cabelo no ar, com um olho borrado de maquilhagem), em vez de ser para nos apreciarmos e cuidarmos de nós.

Engolimos um café a ferver pela goela abaixo para garantir que as poucas horas de sono que nos permitimos nos darão a tolerância suficiente para a quantidade de absurdos que teremos de enfrentar ao longo do dia. Vociferamos nos nossos carros, com os outros condutores; irritamo-nos com quem está a fazer o mesmo que nós faremos uns metros à frente.
Bufamos, dizemos asneiras, ou simplesmente ficamos tensos. Caminhamos todos, qual rebanho, na mesma direcção - cada um em seu carro, a gastar o seu próprio combustível.

Se procuramos alternativas de transporte, somos frequentemente lixados com f* grande - ou porque não compensa em termos de preço, ou em termos de tempo, ou porque simplesmente não é de confiança e nos deixa ficar mal, obrigando-nos a pegar no carro na mesma.

Enfiamo-nos em roupas onde não nos reconhecemos, para que os outros nos reconheçam - um estatuto. Despimo-nos assim de nós - e assim que chegamos a casa ao final do dia, aquelas calças de ganga proibidas sabem-nos a céu, devolvem-nos o nome que nem sabíamos existir numas malditas calças de ganga.

Abdicamos do almoço por um salário mais simpático. Comemos uma sandes, uma sopa fria no carro, por entre palavrões e manobras no trânsito para chegar a horas. Porque sim - chegar a horas também dá um salário mais simpático. Independentemente de quão (ir)realista seja o nosso horário.

Ao final do dia estamos num estado de nervos. E com tudo isto estamos a dormir no sofá antes das dez da noite, moídos de tensão, de cansaço, das coisas que queríamos realmente fazer mas para as quais não sobrou tempo ou energia; dos "deveres" que ficaram por fazer e que nos vão vir aborrecer de noite.

Está o caos instalado.

Para quem sabe que eu estou na realidade a relatar o meu dia, praticamente sem pôr nem tirar, não pensem que estou a reclamar... Foi uma escolha que fiz e da qual me orgulho - atirei-me ao trabalho, algo novo, e estou de bem comigo por isso. Por não ter medo. Por confiar.

Estou simplesmente atenta - olho à minha volta e vejo tantos como eu, tão desatentos, conformados, inconformados e infelizes. Porque não respeitamos as coisas mais simples - que não vale a pena estragar a nossa saúde a correr por mais uns euros, por uma opinião social superficial mais favorável acerca de nós, por uma conformidade social. Que comer bem é importante e é bom; que ter uma pausa entre tarefas na nossa actividade profissional é essencial para a nossa produtividade. Que precisamos que sobre tempo e energia.

Que um dia, quando olharmos para trás, vamos maldizer as horas que não perdemos a namorar-nos a nós próprios e aos nossos. Os minutos que decidimos não usar para reparar no céu especialmente bonito. A viagem maluca e espontânea que decidimos não fazer para poupar dinheiro.

Precisam que continue?

Comentários

Iara Alencar disse…
eu nem durmo mais.

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