Não soa ridículo, se for uma árvore em vez de uma pessoa?

Mais um ciclo. Mais algumas portas fechando-se; o olhar poisa sobre elas, meditando, procurando não fazer juízos de valor. Determo-nos lá atrás é sempre um risco; não só porque aquilo que doeu nos paralisa, mas igualmente porque aquilo que soube bem, teria certamente alguma razão de ser, se ficou para trás.

O Outono vai-se instalando - este ano, com particular delicadeza. Parece querer vincar o facto de ser diferente do Inverno - assim como um irmão mais novo que se esforça para se destacar do outro, ainda que saiba que, no fundo, são terrivelmente parecidos (e que isso nada tem que ter de terrível... mas adiante).

Cresce-se-nos, vinda sabe-se lá de onde, uma energia especial para limpezas e mudanças, nesta altura. É isso e Janeiro, com as resoluções. Há trocas de roupa, abraçando tecidos e formas mais aconchegantes, mangas mais compridas. Aproveitam-se os dias de sol para lavar e arejar, para armazenar em frasquinhos o que sobra de calor. Despedimo-nos das roupas leves num "até já", que custa menos quando sentimos o toque macio das mantas, ou nos deixamos seduzir por uma chávena quente da nossa bebida favorita.

Observam-se as árvores, mais uma vez, num ritual invertido ao nosso. Levam a estação despedindo-se das suas roupagens de Verão; esperam o Inverno perfeitamente despidas, prontas para um recomeço. E já alguém viu as árvores a escolherem com precisão as folhas de que se desfazem? Não. Por fim tudo se resume a uma cama de folhagens castanhas que nos estala debaixo dos pés, representando o abandono, a mudança. E que por fim se entrega ao vento e à terra, desaparecendo. É uma estranha forma de ser, mas é talvez a única.

É sempre tempo de preparação. Por estes lados é também tempo de recomeços. E há um trabalho grande para transformar o que doeu num degrau sólido para dias novos. Há tanta coisa à espera, tanta coisa a espreitar e a pedir para entrar. O processo de despir custa, mas os rebentos novos que se adivinham por baixo da pele fazem cócegas. Se nos permitirmos sentir.

Os olhos, brilhantes de curiosidade e de luz armazenada, viram-se para a frente. Ao abandono segue-se a mudança, a renovação. Se as árvores tivessem medo de ficarem nuas para sempre, e decidissem não correr esse risco, não deixavam as folhas seguirem o seu caminho. E com isso, não se permitiriam folhagens novas. Não alimentavam os seus solos, não faziam as crianças sorrirem quando pisam folhas secas.
Não soa ridículo, se for uma árvore em vez de uma pessoa?

Caríssimo Outono. Meu querido Novembro. Soas sempre doce, mesmo quando ameaças amargar-me a boca com dias de chuva.


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