Caminho para a ilha

[Tenho medo do que me possa acontecer.]
Mansa e silenciosa, uma onda vem poisar aos meus pés. Não se anunciou de forma turbulenta, como as outras. Mas de alguma forma (talvez devido à sua discrição), foi a que chegou mais longe. Foi a que subiu mais alto, foi a que docemente se entranhou pelas minhas pernas acima, e deixou as suas dedadas geladas algures no meu pensar. Foi sem dúvida a mais perigosa; não a vi chegar.

Conturbados tempos se atravessam, neste 2016. Um conturbado que deverá culminar em bom, assim se espera o balanço. Mas o tempo é mesmo de desequilíbrio - entre as ondas que não se ouvem e as que levam tudo à frente -, e há que ser paciente.
Mas todos sabemos o desatino que é, querer caminhar direitinho na areia - simplesmente impossível.

Abracei o meu jeito desalinhado de caminhar. Fiz pazes com as partes de mim que caminham assim.
Habituei-me de tal forma que agora caminho descalça no asfalto, esqueço-me das maneiras do antigamente - das maneiras dos outros. As minhas maneiras são estas. Sempre à espera de uma onda mais atrevida que me venha beijar os dedos dos pés. Quem sabe se uma delas não se aventura até à marginal, onde só os carros deviam correr, para vir dizer olá?

Com tanto atrevimento, corro o risco de me transformar numa ilha. É uma espécie de tudo ou nada. Chego quase a ter medo disso. Corro riscos sérios.

Talvez tudo isto implique recomeçar.
É altura de vestir apenas a roupa que me sirva quando levo a cabeça levantada. Que combine com os pés descalços. É tempo de bronzear a cara, de acertar o passo comigo mesma e de não deixar que mais nada, nem ninguém, me deixe esquecer. Esquecer o quê, perguntam vocês? Fácil: o caminho para a ilha. O sabor das ondas nos pés, quando não sobrar mais nada. Porque outras alturas haverão, em que nada mais vai sobrar.

Olha, que se lixe. Serei uma ilha, sim senhor, redonda e torcida (como o meu feitio). O sol vai pairar sobre mim todo o dia; a lua vai namorar-me toda a noite.Vou ter uma saia feita só de praia. E mar, a debruar.

É verdade; lembram-se daquela onda lá de cima? Sim sim, a mais perigosa de todas, dizia eu. Foi também a que mais me arrepiou; foi a que deixou mais saudades.

[Era mentira. Entretanto não tenho medo. Já não.]

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