Janela

Saio do banho. Oiço um crepitar longínquo que não consigo perceber. Será desta que a madrugada começa a despertar em mim?
Sinto assim um formigueiro cá dentro. Pergunto-me se é finalmente a luz a querer irromper para fora de mim. Procuro vestígios à minha volta. Fios de luz entornados na sombra, evidência de um começo. De uma janela que quer abrir-se de mansinho.
Espreguiço-me. Ponho "Bohemian Rhapsody" a tocar, o volume a abaular os tectos. O corpo desliga-se da mente, move-se sem fios condutores. E no entanto, algo parece conduzi-lo. Algo cá dentro lhe dá electricidade. Não consigo parar...
Tenho esta visão colada a mim, pegada ao corpo como o suor num dia de calor. Movo-me com crescente intensidade, para a tentar sacudir de mim. Mas talvez contrariando tudo, ela torna-se parte de mim. Talvez ela encontrasse essa brecha em mim, e aproveitando-se dela, se esgueirasse alma adentro.
Às tantas danço-a. Danço esta visão até à exaustão, até que os cabelos acabados de sair do banho estejam secos e chicoteiem as costas com violência. A música é o cúmplice que me toca nas cordas certas, e é afinal ela quem me guia.
Uma nova música começa, em nada relacionada com a anterior. Skinny love, Birdy. O corpo adapta-se ao ritmo. Ondula, pára e recomeça. Voa devagar. Desmancha-se na lentidão do ar. Suspira e deixa-se levar.
Há visões que nos transformam. Que fazem de nós o que querem, se apoderam da nossa energia e brincam connosco. Levam-nos às lágrimas, rasgam-nos em gargalhadas violentas e impacientes. Tiram-nos o sono.
Deixo-me cair no chão. O meu corpo resfolega surdamente, agora no silêncio. As palpitações cobrem-me a pele, abalroam-me. Fecho os olhos para abraçar a sensação, e quando os abro, vejo-me banhada pela luz da lua através da janela. Sinto-me abençoada... por esta visão. Pela luz de dentro, que quer sair. Pela luz da lua, que me quer abraçar.
"Somos animais à procura de felicidade", alguém me disse. Eu sorri, concordando com o corpo todo. Porque aliás, em tudo o que faço, ponho o corpo, a alma, os sonhos. E sou animal, esquecendo-me de tudo o resto. Em busca de uma visão que me faça estremecer...
Quero brilhar. Descobri o "palco" ainda agora. Descobri os meus pés mais soltos, nele. Como se na madeira do palco se escondesse uma ligação directa à Terra. A quem eu sou. Não vou abdicar deste pedaço de luz, agora...

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