Pausa para desabafar.

Enrolo o olhar na luz de meio da tarde, quebradiça e enevoada. Embora estejamos já em finais de Maio, o calor abandonou-nos por uns dias. Hoje é o segundo dia em que o sol voltou a brilhar timidamente, depois de uma corrente fria que nos levou quase de volta ao Inverno das malhas e dos gorros.
Refugiei-me no jardim para pensar. Para desligar e para desenredar alguns nós. Ignoro a pele de galinha e cedo aos mimos exigidos apenas pelo cão.
Tento pôr ordem na cabeça, que se desalinhou por estes dias. Pai doente. Mãe doente quando o pai melhora. Mãe hospitalizada. Mãe sai do hospital, ainda frágil. Mãe melhora, ao mesmo tempo que o pai fica doente novamente.
Se a inteligência nunca foi um dom óbvio, nas últimas semanas tornou-se um fio de luz ainda mais fraca, para não dizer apagada. É impossível pôr em curso qualquer projecto mental, nas correrias para que os "serviços mínimos" sejam cumpridos. Sobretudo se tivermos em conta que as exigências do patronato são de metas quase impossíveis de alcançar.
Quando nos lançamos para o sofá, exaustos, ao fim do dia, tudo parece estar por fazer. Porque há sempre mais coisas que "se queriam" feitas. E tapa-se o rosto com vergonha, depois de não se ter parado um dia inteiro. De não ter sequer olhado por mim abaixo, de não me ter cuidado. E disso sim, eu devia ter muita vergonha...
Estou desempregada. E só isso me leva a estar em casa dos pais. Aos 27 anos, sinto-me perdendo (aqui tinha mesmo de ser gerúndio!) a capacidade de interagir com eles por um dia inteiro. Há tanta coisa que já não me faz sentido, tanta coisa que dou por mim a desejar poder fazer de maneira diferente... à minha maneira. Não por teimosia ou mimalhice... apenas porque já não me consigo organizar pela cabeça dos outros.
Penso agora, isto faz certamente parte do ciclo da vida... a esta hora eu devia estar no meu espaço, a criar o meu mundo. A disponibilidade mental para continuar a ser "criança" foi-se.
Mergulhei entretanto na música de um Cd do meu querido Louis Armstrong, que vinha com o jornal. E é ao ouvir "A Kiss to build a dream on" que me bate. Tenho de manter os sonhos na linha do meu horizonte. Continuar a sonhar. Porque a partir de um simples beijo se constroem sonhos. E porque não?
(também pode ser a partir do sonho de inundar a minha casinha com o som do vinil...)

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