Essa senhora, a humildade.

Às vezes, a humildade decide fazer obras na minha alma. Entra grosseira e mal-humorada, de sinal vertical na mão, com um capacete amarelo e tudo. Avisa, resmungando, que o pavimento tem de levar remodelações. Não explica aos transeuntes admirados de onde veio a ordem. Não pára para pensar no que vai fazer; simplesmente vai a direito a destruir estrada, como um alfaiate que corta tecido sem olhar nem medir. Age sozinha.
A humildade supostamente é uma qualidade, pensam vocês agora. Pois é. Só que em mim ela não produz a delicadez de uma donzela, mas sim os modos de um taberneiro mal encarado.
E é assim que nasce o sentimento de pessoa pequenina. Sem prejuízo para os baixinhos, pois refiro-me a pessoa pequenina por dentro. Pessoa que não vale o esforço.
Anda uma pessoa a querer transformar-se, crescer. E chega-me esta estarola e faz cada buraco que até faz fumo.
Mas hoje eu sentei a humildade à minha frente e obriguei-a a ouvir-me. Expliquei-lhe em tom condescendente que tudo o que é demais faz mal. E cheira mal, também!
Não faz mal, não nos sentirmos os maiores do mundo. A humildade pode ser uma coisa boa. Quando não é levada ao ponto extremo de nos "rebaixarmos tanto que se vêem as cuecas", como sempre ouvi dizer.
É que a humildade devia servir para não magoarmos os outros; para não vermos no nosso umbigo o majestoso início do universo (o Big Bang, no fundo) e para nos alimentarmos em busca de sermos cada vez melhores. O trabalho fica estragado se, de cada vez que fazemos um progresso, ainda que pequeno, alguém chega ao canteiro e nos pisa as flores todas.
É preciso humildade, sim. Mas também é preciso que acreditemos em nós próprios. Para que os nossos passos não fiquem sem pegada...
"Por isso, amiga humildade, da próxima vez que quiseres chegar aqui sem avisar, entrar a apontar dedos aos outros, a dizer que está mal feito e que conheces quem saiba fazer muito melhor... olha, pelo menos bate à porta primeiro. Ou então põe um guizo ao pescoço, para anunciares a chegada! E já agora, não venhas só por vir; assegura-te de que trazes argumentos com razão de ser!"

Foi isto que eu lhe disse. E ela, toda muito altiva e orgulhosa, lançou-me um suspiro como quem desfere um murro e lá foi à vida.

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