Playmobil

As pontas dos dedos, como habitualmente, vão sentindo com mais expressividade do que o resto do corpo. Sinto as mãos e os pés a incharem, a latejarem e a arderem.
Num primeiro olhar, pensar-se-ia tratar-se apenas da onda de calor que nos afronta por estes dias. Mas não.
De facto, o que se passa são os dias irritados. Dias finais, que deveriam ser de alívio, mas que são sobrecarregados com trabalho que não é nosso, dificultando o terminar daquele que é.
Irritadiça vou faíscando aqui e ali. Depois recolho-me ao meu canto, encho os auscultadores de música e vou-me deixando derivar. Mas os dedos a aquecer não me deixam pensar. Como uma água que se vai aproximando da fervura, como o crescendo de uma orquestra até chegar ao âmago.
Passar a pasta. Dizer adeus ao trabalho de um ano, às pessoas de um ano.
Dar o passo difícil, em branco e em frente.
Mas pior que isso, ter dado mais do que se tinha para dar em todos os momentos. Porque somos assim, porque é o nosso jeito. E não se sentir a mínima gratidão.
Sentir que o lugar é reocupado com ligeireza e sem lugar a despedidas. Sentir que o aparente apreço era, afinal, exploração. E que aquilo que parecia reconhecimento não passava de manipulação.
Acreditar que estávamos a construir uma Cidade Lego em conjunto com alguém e perceber no fim de tudo que afinal éramos só um Playmobil no meio da construção do outro... parecendo que não, chateia.

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