Espaço. Ou a luz em mim.

Uma parte significativa do nosso crescimento dá-se quando estamos sozinhos.
Esta semana tenho tido uma oportunidade de ouro para crescer.

Chego a casa, a tarde ainda vai luminosa.
Brinco com o cão. Quem é o miúdo e quem é o adulto são coisas difíceis de definir. Dois miúdos seria mais preciso como descrição.
Vou-me deixando ficar pelo jardim, muito depois de o relógio da sala ter ditado horas às quais eu normalmente já estaria a acabar de jantar. Mas eu vou regando as plantas e arranjando coisas sem pressa, saboreando as réstias de luz acumuladas no carvalho gigante, nos telhados da garagem e das casas vizinhas. Enquanto há luz, sinto o natural ímpeto de a seguir. De estar no exterior a contemplá-la, absorvê-la, gozá-la.
Nunca tinha sentido este ritmo, a par e passo do que vem de dentro! O corpo e a alma parecem caminhar mais perto um do outro. Respiro fundo, sabendo que encontrei a luz em mim.
Quando o sol já se deita bem para lá dos telhados [como se os usasse já para se tapar], fecho as janelas e portas e tranco-me em casa. Segura, com o cão, preparo a refeição que me apetece comer, a uma hora diferente do habitual. Mas, sinto-o, mais à minha hora.
Quando a moleza se instala, enroscada no sofá, é difícil levantar para voltar a ir passear o cão. Adivinha-se o frio lá fora, pelo vento que castiga as janelas e faz gemer as portas de madeira velhas dentro de casa.
Hesito por alguns instantes em sentir medo. Quase me deixo embalar pela dúvida do que está para lá das portas. Sacudo a cabeça, como se isso ajudasse os pensamentos a caírem.
Com um casaco quente lá vamos nós...
Mas ao chegar lá fora, o vento parece ser insignificante, menos forte do que se adivinhava dentro de casa. Então é isto, sentir segurança vinda de dentro, e não de fora!
Tenho tempo. O tempo dá-me espaço.
Perco-me a olhar demoradamente para o céu. Entrelaço-me  nos dedos das constelações, no escuro tranquilo. Algumas nuvens finas como fios vão galopando e deixando-se desfazer pelo vento.

Tudo o que são as verdades cá de dentro vão-se soltando dentro de mim. Vou sentindo o vento tomá-las como pontas de fios emaranhados. Lentamente, como o pente paciente de uma mãe, o vento vai domando esses fios.

Deixo-me perder neste céu só meu, cada vez mais afundada nele, cada vez mais em paz. Vou compreendendo agora como as peças se encaixam lentamente, quando temos espaço para pensar. Para existir, sem pressas de terceiros. Para reconhecer o que nos faz falta e o que é nosso.
Reconheço este sabor na boca como um caramelo suave, que se vai desfazendo com a saliva mas deixa o seu traço nos cantos da boca. Um pouco como as nuvens...

As nuvens só estão lá para nos relembrarem que quando o vento as levar, estaremos de novo desprendidos, entregues ao azul profundo das nossas vidas**

Comentários

Indio disse…
:)

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