O medo de qualquer coisa

Acordei mais cedo do que aquilo que o corpo pedia. Porque o pai queria desfazer a árvore (afinal, ontem foi Dia de Reis!), tinha de ser hoje e tinha de ser de manhã. Ok, até aí tudo bem, fez-me bem porque me senti mais activa.
(Tirei todos os enfeites. Depois as duas fiadas de falsas pérolas. Em seguida, o set de luz das velas e a primeira fiada de luzes brancas. Entretanto retiraram-se todos os ramos da árvore (sim, eco friendly tree) e arrumaram-se na caixa, para poder por fim retirar a fiada de luzes azuis, mais encostada ao tronco central.)
Arrumada a árvore na devida caixa e transportada para a garagem, foi tempo de aspirar a sala toda da lixarada que se fez (e a que não se fez, também). Caixote da gata, comida e água da bicha, aspirar areias e pêlos do corredor. Duas horas a engomar, com almoço e café a correr pelo meio. Arrumar a roupa engomada.
Hora de respirar fundo. Sento-me de pernas cruzadas em cima da cama, onde me deleito com o toque da colcha nova de cornucópias, absolutamente "eu". Continuo a aproveitar teimosamente as réstias de luz natural que a janela deixa passar, mesmo quando já mal vejo as teclas do computador, tal como agora. Mas os dedos continuam, por força do hábito e fome de escrever, sem dar pausa para levantar e acender a luz, quebrando a magia de que o dia ainda não acabou.
Sinto-me a quebrar. Acusada por três vezes de perder a paciência e responder como uma adolescente, dou por mim com continuada atitude de adolescente ao fechar-me no quarto, de fones nos ouvidos, com música em correspondente tom e agressividade (Pearl Jam, Muse e Nirvana, entenda-se).
Porquê? O que se passa?

Passa-se que não tenho privacidade. Que o ambiente é de preocupações, lamúrias e cuidados excessivos, despejadas em arrumações e limpezas como se o mundo disso dependesse.
Feito de momentos pegajosos sem individualidade (a família, a família), como se para se ser unido tivéssemos de ser um só e esquecermo-nos das nossas individualidades (todas tão fortes, ainda por cima...).
Sim, sim. De psicóloga nada demonstro, quando tão pouco me debruço a entender os próprios pais. O problema é que eu entendo... mas chego ao ponto em que o que fica é: mas a culpa não é minha!!! Nada tenho a ver com isso!!
Procuro espaços escassos que não estejam preenchidos com os seus pré-conceitos, as suas balizas de moralidade e as suas expectativas. Tudo palavras que me assustam, porque sempre fui diferente...
A única diferença é que hoje sou orgulhosamente diferente. E também, que embora me considere diferente, consigo distinguir a diferença do amor. Porque amor, esse existe incondicionalmente. De ambas as partes, reconheço. Simplesmente, preciso de espaço para pôr os meus pés. Para dar os meus passos, mandar umas cabeçadas inconvenientes. Mas desenhar o meu percurso, não o de outros.
E poder partir à exploração, sem medo de magoar ou quebrar ligações... (para os psicólogos que me entendem, vinculação insegura...)

Comecei a escrever sem ter noção de onde é que isto iria parar. Com a plena consciência, no entanto, de que iria ser incontrolável, feroz e assertivo. Parece-me que escrevi sobre o medo de qualquer coisa... qualquer coisa que possa vir a apagar a pouca luz que reconheço em mim.
Mas sabem qual é a pior parte? É que tudo isto parte cá de dentro... até ao dia...

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