And the oscar goes to...

O tempo passa por nós, muitas vezes como um tapete voador que nos retira de um lugar e nos leva para outro, sem que sequer cheguemos a dar por isso.

Os caracóis da idade da inocência caíram, algumas rugas adensaram-se à beira do precipício do olhos e do sorriso (por vezes até da testa), e a pele, antes resistente a qualquer intempérie, agora texturiza-se de manchas e de grossas olheiras com a falta de tempo, os trabalhos que ainda estão na cabeça e os outros que já estão a ser feitos ou já deviam ser entregues... enfim, a entrada a pés juntos na vida adulta.

Em resumo, o brilho dos olhos tornou-se um pouco mais baço: já não se sonha tanto com o príncipe encantado, a banda favorita ou o bife com natas, mas fantasia-se antes com uma casa a que possamos chamar nossa, um emprego estável e de que gostemos, e dinheiro ganho por nós, para uma refeição garantida. Enfim, crescer...

Mas não escrevo para falar das coisas más que se adquirem, ou da suposta "crise" de que todos falam. Escrevo para falar daquelas coisas que nunca mudam...

Da amiga que desde o 5º ano faz parte da nossa vida, que cresce connosco aos tropeções, e que um dia, inevitavelmente as circunstâncias levam ao afastamento. Mas seria apenas um verdadeiro afastamento se a amiga de que falo não fosse a sério... E é aqui que a fantasia e os sonhos dos livros se prolongam na vida real.

Porque o tempo pode ter-lhe retirado algum brilho de revolta no olhar, irreverência naquele espírito que admiramos, pensando "quero ser como tu!". Mas ele está lá, apenas suavizado pelas ondas do tempo, mas eu sei, continua adormecido, à espera da oportunidade para saltar e se revelar!

E um dia, repetindo o ritual de tantos anos a ver os Óscares, lembrei-me dela. Imaginei-a, como todos os anos, a fazer directa para saborear, colada ao televisor, este acontecimento delicioso. E no dia seguinte, o nosso êxtase a partilhar cada momento, perante os nossos colegas ranhosos que se riam de tais interesses. Ainda consigo ver aquele brilho nos seus olhos, enquanto falava da brilhante interpretação deste e daquele, da fantástica apresentação pela Whoopi Goldberg, seu ídolo.

Não resisti a enviar-me uma mensagem, para que soubesse que, mesmo que as coisas tivessem mudado, eu me lembrei dela, a minha louca e irreverente Mary Jane, com o sorriso mais bonito que conheço, um humor com um jeito que não envergonharia a Whoopi Goldberg. E a sua inteligência, aquela que se sente nos seus movimentos, na sua energia sempre para a frente na vida.

Qual não é o meu espanto quando há uma resposta. A minha M.J. está lá. Como sempre. A acompanhar-me de longe. E ri-se com a eventualidade de tantos anos passados, e estamos juntas.

É tão bom. Este saborzinho doce da amizade que permanece na boca, anos depois, como um perfume leve que se entranha na roupa e na pele, e que fica nos espaços, preenchendo-os.

And the Oscar goes, inevitably, to my dear G.I Jane.

Comentários

o lavagante disse…
se está a altura? de quê? da nossa amizade? Olha que pouca coisa está à altura da nossa amizade, mas de facto a palavra e, neste caso, a escrita sempre foi um dos teus dons!

Por estes dias fala-se dessa coisa estranha, a amizade. No trabalho pessoas porque quem desenvolvi uma amizade sincera romperam relações, uma das minhas grandes amigas acabou de terminar uma amizade com uma outra grande amiga minha...já agora como é que se termina uma amizade??? Não faço a menor ideia.

Na verdade sei pouca coisa mas sei isto: tudo pode ter o fim, inclusive o amor, mas como chega ao fim uma amizade?

Não será ela o sentimento mais altruísta que podemos desenvolver por alguém?

Tenho esta maneira de ser, tu sabes. Ao que parece mais algumas pessoas sabem. Sou assim mas tu também és assim. Aliás todos somos assim, um assim qualquer, um qualquer que seja, mas todos somos..

Mas uma uma coisa é certa: não esqueço. Nunca esqueço.

Ti Voglio Bene!

ps: essa da GI Jane foi demais...ai o tempo, maldito.

beijo do tamanho de um beijo que é essa a medida ideal.
Wicahpi disse…
Considero um elogio gigante chamares-lhe "dom"... compras um livro meu quando o publicar, sim??!
Pois é Mary, partilho contigo essa ignorância do que é exactamento o momento de terminar uma amizade. Há relações que se esbatem, que se conflitualizam, que enfraquecem... mas terminar uma amizade é algo paradoxo, já que é um estado, uma parte de nós.
Enfim, talvez alguns venham equipados com botões de "desligar"... eu cá não tive essa sorte.
My Mary Jane is always my Mary Jane... E sim, G.I. Jane, porque indubitavelmente és uma força da natureza, que orgulha o adjectivo "mulher".
E já agora, fiquei curiosa por saber mais do teu trabalho... encontremo-nos para pôr a escrita em dia.

Um beijo dessa medida ideal que é o beijo*

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