Infância


Numa dessas tardes bem londrinas, em que os vidros do carro mais parecem faces de carpideiras, brilhantes e pingadas, e o céu parece ter sido sempre cinzento, aventurei-me pelo meio das luzes nubladas até ao meu bairro de infância.
Teimei em passar naquela que é um pouquinho a minha pastelaria, por estar mesmo a precisar de um sabor do antigamente para me aquecer por dentro...
Entro, e perante os olhares dos amigos percebo que enalteci demasiado o lugar: a grande pastelaria de que sempre falei à boca cheia não passa mesmo de um café de bairro, em aspecto e distinção.
Com o talhante ainda de "farda" de fim de dia a beber um copo ao balcão, e a velhota de carrapito desmontado a beber um chá e a comer o seu bolito.
Apercebo-me de que até para mim a pastelaria parece de repente mais pequena, mais escura e menos... especial. Imagino que na minha fantasia o café devia ser colorido e cheio de pessoas felizes, pois é assim que uma criança com uma infância feliz vê normalmente a vida.
Mas vejo então o dono da pastelaria, também ele dono desta fantasia, já que tinha sempre, como ainda hoje, um sorriso pronto para mim. E quando ele me devolve, num pratinho branco, os sabores de sempre, não há ilusão possível: as delícias folhadas com o melhor doce de ovos de sempre, cobertas de açúcar em pó; as argolas pejadas de açúcar, secas e deliciosas, e os sonhos de cenoura que só se comem ali, fofinhos, doces, deliciosos!
Os meus sabores levam-me, de um pulo, à minha gargalhada de criança, a boca cheia de açúcar, e um aconchego que ninguém me pode tirar, de tão cá dentro que está enfiado!

Porque o amor sempre há-de vencer...

Comentários

Anónimo disse…
á coisas que nunca mudam e são fantásticas. és uma gulosa ;)

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