Alma encharcada... sonhos encolhidos
Alma encharcada...
Os olhos a arder, vermelhos e quentes, da vontade de chorar reprimida. É incrível, a capacidade do ser humano de fingir, de segurar um sorriso tão balançado no rosto - a nossa capacidade de o fazer parecer real.
Estar-se inundando por dentro, e ninguém se dar conta dos estragos. Porque conseguimos escondê-lo por detrás de um silêncio empático, de quem ouve as histórias alheias com uma atenção devoradora.
Dizer que sim, acenar, e encorajar as grandes cruzadas feitas pelos outros, enquanto simultaneamente se vagueia por dentro de si mesmo, a lamentar a tempestade que vai lá por dentro. As cheias chegaram, nas pontas dos pés, em surdina, fazendo estragos que nos levaram a alma. E lá dentro ficou um buraco que só se consegue preencher com a ausência de pensamento. Com a apatia de um sorriso vazio.
O medo de se perder o castelo de areia. Que tantas horas ao sol levou a contruir. Sabermos que pode não ser eterno. Mas que gostamos tanto de viver nele... E de repente senti-lo abanar. Sentir que ele pode não aguentar o abalar das ondas. E que a culpa é nossa, porque não o construímos suficientemente forte. Rever mentalmente tudo o que se fez. Onde poderemos ter errado? Há tempo para voltar atrás? Bom, agora não. Agora sorri.
Lutar contra as lágrimas não. Porque elas não estão a pedir para sair. Ainda se estão a aconchegar, a amolecer os móveis do sentimento, a fazer ruir as paredes do pensamento.
Só quando chegamos ao abrigo, ao nosso canto, é que as paredes desabam. E aí as lágrimas fazem cócegas na pele, ao cair, e depois comichão, e fazem eco no chão, na camisola e no coração, fazem estremecer as luzes ténues do quarto. Até à exaustão, um rio paciente e ruidoso desmorona a máscara de há segundos. E os soluços, ondas que curvam o corpo, que o contorcem para não se dissolverem no ar, para não serem ouvidos.
Segura-se o rosto com as mãos, com medo que caia. Já não estava habituada a ver chover assim, por dentro. Há muito. Há muito que o riso corria sem esforço, há muito que o mundo estava mais colorido. Mas hoje, alguém decidiu acordar antes de mim, e enquanto eu dormia, veio pintá-lo de cinzento.
Mas se ao menos ele tivesse deixado a cor de areia no meu castelo... será que ele aguenta ser cinzento?
Bem.
Como alguém disse, os dias não podem ser todos de alegria.
Não é?
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