Reflexão sobre pretos e brancos


Hoje vi uma reportagem acerca de uma terra perdida no meio do nada, perto do Senegal, em África, onde voluntários portugueses ajudam a construir uma maternidade para os residentes. A tentativa é de fixar a população naquela zona, dando-lhes condições apropriadas, de forma a evitar que fujam para o deserto em busca de um lugar melhor.

Porque muitas dessas pessoas, em busca da dita civilização, da dita vida melhor, morrem pelo caminho, no mar e no deserto, com os pés gastos de tristeza e os rostos marcados prematuramente pela dor.

Um professor ensinou-nos na faculdade que o nome a dar aos africanos é pretos, porque negros é uma ofensa e nem todos são nascidos em África. Temos que lhes dar um nome para os distinguir, dizem... Bom, eles não são pretos, mas nós também não somos brancos.

Dizem que os pretos é que são maus. Dizem que a sua natureza é cruel.

Quando vamos na rua, as pessoas encolhem-se com um grupo de pretos, independentemente do seu aspecto, número e atitude; talvez nem reparemos num grupo de brancos, mesmo que sejam mais, tenham mau aspecto e atitude agressiva.

Fui educada a conceber a igualdade entre raças, e posso orgulhar-me de me sentir igual. No entanto, a descrição de um bairro de pretos causa-me mais medo do que a de um de brancos. Daqui tenho que admitir sinceramente que há um pouco em mim de racista...

Tenho amigos pretos, amigos ligeiramente racistas e amigos que, como eu, não fazem diferença (ou pelo menos não a admitem para si). Já tive discussões com amigos que, tendo estado ou vivido em África, não conseguem deixar de se sentir desconfiados, como eles próprios descrevem, com os pretos.
"Só estando lá é que podes perceber! Eles são racistas entre eles mesmos! Não são bons nem para eles. Era tudo tão diferente quando não mandavam em si, tinham mais condições! Agora andam a matar-se uns aos outros só pelo poder..."

É neste pensamento, que considero deturpado, que reside o pensamento da grande maioria das pessoas. Porque tal como eu nunca estive em África, elas não viveram lá no tempo da escravatura, da exploração. Nós fomos para a terra deles, impusemos-lhes a nossa tradição, as nossas regras e a nós mesmos. Usámo-los para o nosso bem, explorando-os a troco de quase nada.
É como se eu agora entrasse num prédio mais antigo do que o meu, e como o meu tem mais condições, obrigar velhotes a usar computadores, PDA's e telemóveis de terceira geração porque assim é que está correcto, e ainda os obrigasse a trabalhar para mim, fazendo daquela a minha casa, dando-lhes em troca uma malga de comida para a família inteira.
Isto é que é civilização?

Os meus amigos estiveram em cidades como Luanda e Joanesburgo, onde a pobreza é extrema, mas em muitos casos "desejada pelas próprias pessoas". Aqui reside já a civilização trazida pelos brancos, transformadas em situações mulatas de vida, que respiram uma mistura de tradições não respeitadas: a imposição rígida das regras de uns, combatidas pela rebeldia e intransigência de outros. Fomos nós que os transformámos nisto, mas esquecemo-nos desse facto. Preferimos viver embebidos no nosso mundo real de faz de conta, com o nosso fingimento cortês.

Mas é nas terras perdidas no meio do nada, que permanecem intocadas pelo homem branco, que reside a pureza e beleza do continente africano. É nessas civilizações, ditas pouco civilizadas, que dorme a natureza dos iguais. Nelas reside a prova. Basta querermos. Porque eles precisam da nossa ajuda para contrariar condições difíceis de vida, e alguns de nós são capazes de o fazer desinteressadamente. E eles aceitam a nossa ajuda, sabendo que é para o seu bem, sem contrariar a sua forma de vida e unindo-se a eles, em vez de os mudar para o nosso lado.

Quem sabe o que é que está bem?

Como podemos esperar que abram a mão para receber a nossa, se segundos antes a usámos para os magoar?

Comentários

Antes de mais quero agradecer a visita ao meu blog e o comentário lá deixado. Porque para além de ter piada por ter sido escrito em Inglês, tal como o texto que eu tinha colocado no blog(não é frequente escrever em Inglês) está muito bom naquilo que diz e gostei da perspectiva em que foi abordado.
O endereço do meu blog está sempre disponível (ou melhor, quando a 'blogspot' permitir) para quando tiveres vontade de o visitar.

Li agora esse teu texto acerca de África e devo dizer que também lamento o que por lá se passa e que nem por sombras está perto de haver uma solução porque como mencionavas no texto, há várias situações, vários modos de vida, várias atitudes, mas uma única coisa em comum...a necessidade de ajuda! Mas para poderem e quererem receber ajuda eles precisam de ter confiança em quem lhes ajuda e também sabemos que na maioria a situação já é de tal forma desesperante que qualquer ajuda é bem vinda e não precisa ser questionada. Até todos ajudarem sem interesses por trás há um longo caminho a percorrer.

Um abraço.
Anónimo disse…
adorei este texto more. deveria ser publicado nas revistas e jornais, estou a falar muito a sério. a raça humana começou em africa, os preimeiros humanos eram PRETOS... nós todos descendemos dos pretos... têm defeitos e qualidades como todos os outros, a culpa do racismo e de muitos pretos serem como sao é culpa dos brancos. somos todos iguais e ninguém é superior a ninguém.

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