Carta de uma esposa resignada

Gosto de tentar pôr-me noutros pés, de tentar compreender outros mundos, outras formas de ser. Influenciada pelo estudo de Psicopatologia, trago-vos um exemplo de uma tentativa de reflexão por uns olhos diferentes dos meus... espero que gostem.

Às vezes (muitas vezes) não sei por onde andas, com quem estás nem o que estás a fazer; sei que não estás a trabalhar, mas é tudo o que sei. Não gostas de me dizer essas coisas porque as sentes como uma obrigação, uma necessidade de justificação que tu, como homem livre, não tens de me dar, tal como não ma exiges a mim, embora eu goste de o fazer por iniciativa própria.

Oiço-te falar em nomes, nomes de homens mas também de mulheres com quem te dás, a quem chamas colegas de trabalho. Não me permites dar caras a esses nomes, pois manténs-me longe do teu mundo, e fazes questão que eles não conheçam esta parte do teu, também.

Acho que não posso reclamar, porque quando estás sozinho às vezes até me ligas para saber o que ando a fazer. Embora sejas incapaz de me mandar uma mensagem ou ligar-me quando estás acompanhado, e quando eu te ligo nem sequer me chames amor ou digas que me amas no fim do telefonema. Mas não faz mal... só gostava era que ao menos aquele teu tom de voz doce se mantivesse, em vez do tom "conhecido para conhecido" que manténs comigo ao pé dos outros.

Mantivemo-nos sempre amigos, apesar dos anos de casamento. E também é ainda com fulgor que fazes amor comigo, deixando-me com a ideia de que sou capaz de te atrair, apesar de já não ser nova, e de que só comigo és capaz de te soltar assim. Pelo menos por enquanto.

"Tens de confiar em mim", repetes. O problema não é esse. Porque em ti eu confio. Sei que tu é que não podes confiar no coração, porque ele faz o que quer e não o que tu queres. E eu não posso confiar em mim para te manter para sempre apaixonado...

Às vezes sou paranóica. Penso que mais cedo ou mais tarde vais deixar esta dona de casa que já se torna familiar demais, e partes para longe do nosso ninho com uma das tuas "colegas", mais apropriada aos teus gostos, mais próxima do teu dia-a-dia sem ser, no entanto, a rotina chata do "querida, cheguei!". Nessas alturas choro, choro sobretudo por mim, por acreditar que não sou especial para te manter, para te agarrar. A vontade não é de mudar, mas sim de fugir, de esquecer, porque nada que eu faça vai valer a pena.

Resignei-me a fazer o que pedes, confiar em ti. E é confiando que serás capaz de ser feliz sem mim que te deixo esta carta em cima daquela que era a nossa cama, mas onde esta noite já não irei dormir. Não te deixo morada nesta carta porque não sei onde vou estar; vou à procura de um lugar para mim, onde eu não me sinta constantemente a mais. Acho que neste mundo esse lugar não existe, mas estou disposta a procurar onde for preciso. Preciso de calar estas vozes que me perseguem, deixando-me insegura e fazendo-me sentir que não me enquadro em lado nenhum...
Obrigada por tudo. Obrigada... por ti.

Comentários

Anónimo disse…
sabes que me fizes-te chorar? esta última parte sim... faz sentido* obrigada por escreveres tão bem.
Wicahpi disse…
sabes, venho a descobrir que é para isso que vivo... para tocar os outros. e fazê-los pensar.
obrigada por te deixares emocionar, isso é muito importante para mim. acredita...
beijinho grande*

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