Rosto escondido...


Um rosto no meio de uma multidão... é sempre um rosto escondido.
O mp3 com o volume no máximo são os seus tampões para a realidade, para se isolar do mundo, e se fechar na sua caixinha de música a sonhar, enquanto os empurrões das pessoas a levam a resmungar mais alto do que imagina. Passeia entre cores e raças sem as diferenciar ou notar: observa cada rosto como se fosse o primeiro que vê em toda a sua vida, e imagina-lhe uma vida que faça sentido com a sua expressão, com cada ruga do seu rosto. Porque cada ruga tem a sua história, seja a de um sorriso constante, a de umas sobrancelhas eternamente em sobressalto ou de uma testa franzida (normalmente por motivos de natureza económica). Entretem-se a adivinhar com a certeza de um cientista, e sorri perante qualquer gesto que lhe confirme a sua previsão. Ela própria é um rosto na multidão, e diverte-se a magicar o que as suas roupas étnicas e o seu olhar curioso desvendam de si, enquanto agita os caracóis aloirados em gestos que julga bonitos. Tem o hábito de andar de cara fechada, quando está na cidade: é a sua forma de se proteger, ao fazer parecer que está zangada com o mundo inteiro e já tem problemas que lhe cheguem. Já se tornou uma faceta inconsciente, se bem que em pequena o fazia propositadamente: achava que se pensassem que era uma coitadinha não teriam coragem de a assaltar.
Assim vagueia, entre comerciantes astutos, donas de casa desesperadas e corruptos, corruptíveis e em acto de corrupção. Concentra-se nos apaixonados porque crê que o amor move a vida, e quando o metro pára entre estações ou assiste a uma discussão acesa, respira fundo e ouve uma música cantada por uma grande voz feminina, como Mariza ou Mary J. Blidge, imaginando-se num palco, rodeada das pessoas que ama a admirarem-na pela sua voz, uma magnífica voz, que não passa despercebida na multidão...
...Um possível início de um livro, há muito desejado, e que saiu cá de dentro num ímpeto...

Comentários

Anónimo disse…
tu escreves esse tal livro maravilha e eu leio com muito gosto :) sinto-me um pouco dessa menina sem caracois loiros...
Sìlvia Neves disse…
Como é bom por vezes vaguear simplesmente. Sermos meros observadores dos outros e um pouco de nós próprios, alheios ao que nos rodeia, num mundo nosso onde nada nos toca. Poder olhar e acima de tudo ver...

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