Exercício: ser outra pessoa


Já vivemos tanto... os anos passaram e continuamos juntos, às vezes sem saber dizer porquê.
Encostaste-te a mim, e eu deixei. Ou se calhar fui eu, não sei. Já foi há tanto tempo...


Sei que tudo começou com uma das tuas gargalhadas estridentes.
Às vezes um sorriso não passa disso mesmo... de um sorriso. Como aqueles ataques de riso que nos dão nos momentos mais inoportunos, fazendo de nós os maiores idiotas do espaço circundante. Embora saiba bem perder o controlo...
Mas o teu não é nada disto. A tua gargalhada nunca parece despropositada nem inoportuna, mesmo que te rias de algo sem graça. A tua gargalhada é sempre tão bem-vinda como uma boa notícia, é fresca e feliz. Quem te ouve rir tem vontade de ser feliz.

E foi assim que reparei em ti, com um casaco já sem dois botões, e umas calças de ganga demasiado lavadas e gastas, com o cabelo negro caído em madeixas sobre as costas, e a cara sem maquilhagem. Já te conhecia dos teus dias bons, quando eras, no meu pensamento, uma deusa de sorriso fácil, sempre rodeada de pessoas, uma mulher inalcançável, não só por seres mais velha mas porque eras mesmo linda... Mas por isso mesmo, confesso que não ocupavas muito dos meus pensamentos, acho que nem punha a hipótese de alguma vez me envolver contigo.

Mas conheci-te mais tarde, quando a depressão te devorava os passos, embora o teu sorriso lutasse por aparecer. E dei por mim encantado contigo, com a nossa amizade, dedicado à causa de te fazer rir.

Hoje o teu cabelo faz-me cócegas nos ombros enquanto dormimos, o teu perfume faz-me espirrar, e confesso que às vezes vou ao cinema sozinho só para estar um pouco longe de ti.
Mas continuo louco pelo teu sorriso marcado, e como diz o Jorge Palma, partilho tudo o que vivi contigo, e o que não vivi, sei que hei-de inventar contigo... És tão quente, tão apaixonada. Gostava de saber onde encontras essa energia para continuares a ser tão bela.

Desculpa se às vezes não consigo dar-te o que mais precisas. Mas não duvides de que eu te amo. Desculpa se quando discutimos saio de casa e só volto de madrugada. Mas não suporto deixar-te triste. Não suporto queimar-te o sorriso...

Não sei se vamos ficar juntos para sempre, sempre te disse isto. Não sei se aguentarei estar preso para sempre, e a palavra sempre assusta-me. Tu sabes...
O que sei é que não me imagino sem ti, não imagino a nossa casa sem o teu cheiro, sem a música dos teus passos e da tua voz desajeitada a cantar fado baixinho, quando te pensas sozinha.
Não suporto ver a tua almofada vazia, sem os teus caracóis negros a enchê-la. Nem o frio da cama sem o teu corpo quente a aquecê-la. Não tenho vontade de ir beber café sem a tua companhia, descer até ao Il Cafe di Roma para comer uma torrada e ler o jornal parece-me uma viagem inútil sem ti. Também não imagino nenhum outro corpo colado ao meu a fazer amor, nem outra barriga a crescer com um bebé nosso lá dentro.
Já não quero ir para casa, se tu não estás lá... falta-me a luz do teu sorriso... preciso da tua mão à procura da minha!

Por isso te peço: não me deixes...


sei que não sei, às vezes entender o teu olhar... mas quero-te bem...

Jorge Palma

Comentários

Anónimo disse…
como sempre... fantastico*

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