quando a pedra se partiu...



Ela correu, mais do que os seus pés poderiam adivinhar ser capazes! Sabia que tinha de chegar a horas, que não poderia atrasar-se nem um minuto. Os seus cabelos ondulado bailavam com o vento da corrida.
Ali ele a esperaria, como de costume aperaltado e direito, olhando o relógio com desdém e impanciência. O seu cabelo penteado pelo gel não permitia um único fio solto, como se fosse a pedra de que o seu coração era feito.
Virando nervosamente a cabeça para ambos os lados, procurava-a com o olhar.
Os joelhos dela rangiam, falhavam com o esforço, mas ela não ligava, pensava apenas no caminho que lhe faltava percorrer, deixando que o desespero se soltasse em lágrimas à beira dos seus olhos. Tinha que lhe contar... não podia esperar mais!
Ele levantou-se. A sua respiração acelerada e quente quase se podia ver sob o nariz. Estava furioso.
Ela avistou ao fundo a curva que, contornada, lhe permitiria ver o sítio do encontro. Respirou fundo, engolindo golfadas de ar poluído. Avançou para a estrada sem olhar, cega. Sorria já ao imaginar a cara dele quando soubesse.
Ele começou a caminhar. Desistira de a esperar. Iria ao café comer qualquer coisa e esperá-la-ia lá. Estava farto de ser sempre ele a esperar por ela; nunca era capaz de chegar a horas para nada, nem mesmo quando sabia que ele tinha coisas para fazer a seguir! Mas hoje ele não ia esperá-la; ela tinha de aprender.
Saiu do parque, deixando para trás o parque onde tinham combinado encontrar-se.
Contornou a curva de árvores que dava para a estrada. Foi aí que ele a viu. Pôde vê-la segundos antes de tudo acontecer, quando ela o avistou e abrandou a corrida, sorrindo para ele, feliz! Ele não lhe sorriu de volta... estava zangado, e desta vez ela não lhe daria a volta. Teve tempo, nesta fracção de segundos, para reflectir sobre tudo isto, até perceber que ela ia ser atropelada. A sua cara transformou-se numa máscara de terror e pânico, quando a viu, sem nunca largar aquele sorriso fantástico, ser colhida pela carrinha e projectada no ar como uma bola. Os seus pensamentos amargos atrasaram-no no reflexo de a avisar, de tão zangado que estava. Correu para ela com os braços no ar, gritando o seu nome.


Soltaram as cinzas da mãe e do bebé no ar, no leito do vento da sua praia favorita. Sabia que se ele tivesse vivido viria a amar aquele lugar, tal como a mãe. Ele não tinha dúvidas... até porque foi nessa mesma praia que ele foi concebido, e nela teria crescido, se não fosse aquela maldita carrinha a levar-lhe a mulher da sua vida, e o seu bebé... o bebé. Era isso que ela ia contar-lhe. Que ia ter um filho dele.
Foi nesse dia cheio de vento, enquanto ele via as cinzas a desaparecerem no céu, e os seus cabelos soltos se abanavam violentamente, que a pedra no seu coração se partiu. Para sempre...

Comentários

polegar disse…
ouch.
lindo...
mas dói...
Anónimo disse…
percebi o facto de teres dito para ler este texto, por vezes pode ser tarde para dizer e fazer o que se quer, talvez nunca seje tarde para aprender. Negar a chegada da felicidade não é bom, quando me decidir a aceita-la pode ser tarde de mais... obrigado miga, obrigado por td ;) gst mt de ti ;)
Anónimo disse…
É um texto triste, mas bonito e muito verdadeiro, muitas vezes deixamos a felicidade para o dia seguinte, mas quem disse que há amanhã? Quem pode garantir? Ninguém. Por isso acho que temos que nos agarrar com unhas e dentes ao que nos faz feliz e lutar para isso nao desaparecer...
beijinhos

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