A Bela Monstra



Vou partir... para um lugar longe de mim. Algures num cantinho longínquo deste mundo, há um chão que me aguarda a caminhada.
Não vou contar-te onde fica, nem como chegar lá. A última coisa que vou querer é que me procurem, menos ainda que me encontrem...
Quando desaparecer, já sabes que estou feliz. Longe de luz lunar que me ilumine, deitada no leito da Cassiopeia, a observar a família de amores da minha vida, que são todos vós a quem amo tanto!
Num porto de abrigo longe da vida que aqui levo...
Num horizonte que já fez alguns apaixonados sonharem...
Num pedaço de céu que muitos atravessaram, somente com o olhar...
Num intervalo entre duas estrelas...
É onde eu vou ficar.
Vou esperar... e quando já todos se tiverem distraído da minha loucura, vou fugir. Quando o som do pôr-do-sol entretiver todos os olhares, vou bater as minhas asas e rumar ao horizonte, onde me espera a liberdade. Enfim...
Quando não estiveres a olhar-me, e quando houveres baixado a guarda... vou fugir-te. O meu coração vai fazer-me correr rocha fora, e vou sentir os pés a fugirem...
Mas quero antes que saibas, que embora vá fugir-te... não vou fugir de ti. Vou fugir da minha imagem no espelho... o reflexo de uma mulher que em tempos me enganou, como a todos os outros, parecendo-me tão bela... mas quando se lhe afastam os caracóis do rosto, lhe tiram a maquilhagem e as roupas... ao cair do pano, ela muda de roupa, e volta para o palco, desta vez como a Fera, e não a Bela... o público aplaude, iludido. Chamam o anjo, pedem-lhe que volte... mas ele não vai voltar. Não mais...
Esse anjo é, afinal, ainda uma menina, com o olhar perdido e cansado de uma velha. Podes continuar iludido, vendo-me, à luz do pôr-do-sol, como a ingénua deusa do teu coração. Mas se te deres ao cuidado de aproximar a vela do meu rosto, só vais encontrar as rugas de uma menina...
Entende que eu fui vítima das pessoas... do destino, no qual tu não acreditas. E as lágrimas que derramei lavaram-me a alma... pouco a pouco, a água da alma arrastou de mim egoísmo, intolerância, e um pouquinho de imaturidade. Nesses poros que ficaram vazios, algum amor conseguiu entrar, e luz... fui plantinha, que dessa água e sal se alimentou, para crescer um pouco mais depressa.
O meu choro foi feitiço, que transformou o meu coração numa pedra um pouco mais mole... entendi que o mal não se pratica, já chega aquele que existe por si só...
Mas as minhas garras afiaram-se, e não permito hoje que se cheguem demasiado a mim... a minha alma é mais pura, mas magoada. E tapar um buraco com um cobertor curto não é solução... terei de ir puxar uma ponta para um lado, mas vai sempre ficar outro bocadinho de fora...
A vida é um lugar estranho, onde eu não encontro lugar para mim. Por aqui, só me consola o voo deslumbrado dos pássaros, e nas asas de cada um deles viaja um pedaço de um sonho meu...
Assim, escolho partir para um lugar onde não hajam espelhos que me relembrem o monstro que sou...
Lembrar esse cantinho plantado ao sol alimenta-me a alma, ainda... e a sensação de estar ali de novo! Onde as paredes cheiram a saudade, onde o chão guarda pegadas de sonhos bonitos, e as montanhas nos encerram contra o mar, como um segredo escondido no pleno coração da Natureza...
É nesse cantinho felizmente esquecido e guardado da maioria dos Homens, que eu finalmente respiro em paz... e é aí que as vibrações da maravilhosa Natureza me invadem e embalam, como as ondas no casco de um barco...
Adormecida pela beleza daquele pedaço de terra invadido por azul e céu, sou de novo infância feliz! Sou poesia abraçada por canções do oceano, sou vinho tinto entornado sobre as estrelas, e sou formiguinha perdida e encontrada, na sua recordação eterna de areia e mar...
Não me tirem daqui, e lembrem, em cada voo ensaiado de uma gaivota, a viagem de uma menina vossa e apenas feliz!

Comentários

polegar disse…
dizes que a vida não é lugar para ti. deixa-me avisar-te: a vida não é lugar. nós somos lugares da vida. se não abrires o corpo, com cicatrizes e peles puras, a ela, ela deixará de te abraçar.
não desistas dela.
deixa-a entranhar-se em ti. vento a vento.
deixa-te enrolada no casulo, quente e sossegada, nos corações que te amam, e deixa as estações passarem em ti. logo ver-te-ás borboleta. logo voarás.
não sejas tola, maninha, por pensar que o que não vives poderá ser melhor do que o que viveres. nunca o saberás se não tentares. e, no fim do caminho, aí sim, quando a vida decidir deixar-te (repara, ela é que decide, ela é que sabe), conhecerás os sorrisos e as rugas. as verdadeiras. as que a vida tatuará em ti, em forma de luas e estrelas. nunca as negues.
um beijo, querida.
polegar disse…
pequenos sorrisos... de açúcar em açucar, de bilhetinho em bilhetinho, encontramos sorrisos.
esses são a nossa vida.
polegar disse…
isto para dizer que tens uma mensagem para ti, no polegadas. beijos
espantaespiritos disse…
lista de coisas a fazer:

aprender a andar de mota,
andar de barco à vela,
flutuar num rio, em cima de um kayak,
apanhar chuvadas em toda a parte do mundo;
dormir num carro porque não há hoteis para ficar;
ter muito frio e beber um cacau quente à beira de um rio a cantar;
caminhar sem destino e dormir aí porque as pernas não aguentam;
econtrar um sorriso nos olhos de alguém;
ser tu mesmo sem olhares para o lado;
amar quem te merece e só por serem quem são;
ter frio nos pés e usar meias de lã numa casa gelada;
acender uma fogueira e olhar para ela até só haver brasas;
viver o momento em vez de tentar viver tudo num momento.

estas coisas aprendi aos 27 anos.
decobri que tinha a vida toda por descobrir e tinha sido inconsciente até então.
aproveitei um experiência má e mudei de vida.
fiquei interessado e curiosamente interessante para outras pessoas.
sem intenção.

carpe diem.

lugar comum não é?
mas os lugares comuns são normalmente verdadeiros. eu descobri tarde... mas a minha lista é todos os dias maior e tenho tanta coisa a fazer para não chegar a velho estúpido.

beijos e felicidades
Anónimo disse…
é a liberdade de procurar a felicidade que faz de todos nós as crianças que um dia perdemos pelo caminho que nem sempre escolhemos para nós...
felicidade despreocupada, sem enganos, sem prazos de validade ou talões de troca...é aquela que se vive, que se vê e que se dá!
Cada um com a sua (partilhada a solo, a dois ou com os laços que fazemos) mora sempre no fim de nós mesmos sem se importar com quandos e ondes! é urgente viver para vivermos com ela...porque para caminharmos sozinhos já basta as vezes em que afastamos os outros e nos perdemos de nós!

Olá, Wicaphi!! provavelmente pensas de onde aterrei...mas eu explico!! Um Anjo (Sérgio, de nome...) confiou-me em linhas de uma conversa do teu dom da palavra escrita e, enviou-me o endereço da tua “Estrada do Céu” para poder espreitar por entre as nuvens!! Espreitei...gostei...e decidi soprar-to!! Uma bela ideia teres criado o blog e é de uma grande generosidade tua partilhares connosco o que te ocorre à alma!! Obrigada por isso... (espero não ter sido “afoita” demais...) e Felicidade(s) sempre...
Irina
(irinapintosilva@hotmail.com)
Anónimo disse…
decididamente a tua escrita continua, e cada vez se tornado mais, sublime, bela e monstruosamente linda!!!

és uma fantasia de palavras, o céu de nuvens em pensamento, as palavras de ládios que nunca se cansam de escrever bem e de lábios que sabia e subtilmente transmitem às mãos o poder da escrita e da conjugação da alma...

Beijinhos, sempre com muitas sauddes tuas Nini...!!

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