E eu aqui sentada a escrever. E tu a morder o lábio.
Mordo tantas vezes a língua.
E talvez tenha passado uma boa parte da minha vida a morder a língua para evitar dizer coisas menos boas. Para não magoar alguém. Para conter a criança impulsiva. E também para não me deixar ouvir.
Mas agora, porque até ver a Terra continua a girar sobre si própria, a vida vai dando umas voltas engraçadas.
E eu dou por mim a morder a língua para não te falar das coisas bonitas que levo dentro do peito. Desses objectos indescritíveis e inomináveis que são os sentimentos que sinto por ti, que não cabem dentro de mim. Que preciso de partilhar.
E já vejo a tua sobrancelha a arquear-se, num movimento lento com efeito de mola.
A boca a mover-se como se tivesses palavras presas dentro da boca, uma garfada de estrelas que não consegues deixar sair. Vejo-te a expressão contida; os olhos a esforçarem-se, enquanto tentas maquinar uma forma nova de me explicar que só interessam os actos, e não as palavras.
E eu aqui sentada a escrever.
Esta é a única parte do encaixe que não me é genuína. Tenta entender.
Já comecei a conhecer um mundo novo através das tuas mãos. Quando elas me fazem correr até me faltar o ar. Quando me apertam no teu peito. Quando nos fundem num só abraço, numa só respiração. Quando me fazem uma festa que eu não esperava. Quando me sossegam e me voltam a adormecer com um só toque subtil. Quando me protegem, ou me puxam para te dar o braço na rua. Quando apontam sem esticar o dedo. Quando decidem a direcção e quando me dão uma palmada para me encorajar. Quando desenham os limites no chão.
Prometo que estou a aprender essa lição. Mas agora quero ser eu a professora por breves instantes. Por isso respira fundo, procura ter paciência e senta-te na cadeira do aluno por um bocadinho.
Disse-me a vida ao ouvido, um dia destes, que não há relações perfeitas. E que essa coisa que nos impingem nos filmes e que apelidam de "momento certo" não vem acompanhada da música em crescendo, para dar a dica.
Não houve música quando saltámos do carro. Nem do avião.
Não há dicas suficientes. Não há certezas. E às vezes, disse-me a vida, também não há tempo. Mesmo quando há toda uma vida partilhada, o tempo escorrega e foge e esconde-se e não sossega a dor.
Por isso, dizia-me a vida nessa mesma conversa, tens de ser tu mesma. Não deixes por fazer. Não deixes por dizer.
Isto deixou-me a pensar. Porque quando eu sou eu mesma, eu falo. Uso palavras para dar um nome mais ou menos ajustado às "caras" das emoções que dançam cá dentro. Partilho-as, como faço com todas as coisas bonitas que me passam pelas mãos. Às vezes escrevo bilhetinhos, cartas (faço-o desde que aprendi a escrever. acho que não sabias isto).
É como dizer que, mesmo que um dia a Vanessa deixe de ter cara de Vanessa, ou que a profissão dela peça um nome mais sério, ainda assim, um dia a mãe dela achou que Vanessa era mesmo o nome certo para aquela bolinha de carne. Por isso calçou os sapatos, saiu de casa e foi até ao registo escrever num papel que a filha dela se chamava Vanessa. E sabes que mais? Isso faz com que aquela miúda que em tempos existiu, quer se goste ou não, se chamasse mesmo Vanessa! Mesmo que um dia ela bata com a cabeça num vaso e passe a achar que se chama Eugénia. Ou mesmo que deixe de respirar. Porque pode acontecer. Mas o nome dela, ainda assim, era Vanessa.
E como eu não tenho jeito para adivinhar se alguém vai mudar de cara, ou precisar de um nome mais digno, ou até bater com a cabeça, não quero ir a lado nenhum sem te dizer, com palavras daquelas compostas pela voz (provavelmente embargada e nervosa), que já há um armário a abarrotar de bilhetes e cartas, a compensar as vezes todas em que pus a mão à boca para não usar palavras que pudessem eventualmente não fazer justiça aos sentidos. Porque mesmo que o vento mude e leve as cartas e os bilhetes para longe, eu escrevi-os. Eu senti-os. São, de alguma maneira, quem eu sou.
Como é que eu sei que está na hora, se ainda não houve música?
(a verdade é que não sei.)
Disse-me o caminho, quando lhe pus os pés em cima. Pois é, o caminho também falou comigo.
E em boa verdade, não mo disse em palavras. Comunicou comigo aquecendo-me borboletas na barriga. Fazendo-me cócegas nos pés com pirilampos.
Com estas não-palavras, o caminho mandou-me correr para ti. E quando o fiz, dei por mim a correr até mim mesma.
É que o que há de bonito no mundo, fica mais bonito ainda quando posso partilhá-lo contigo.
E eu posso não fazer muitas coisas bem. Posso ter os jeitos desajeitados de uma borboleta sem maneiras em algumas coisas. E posso por vezes transmitir a intensidade de um pequeno ogre embriagado.
Mas a vida também já me disse (ela tem-se fartado de falar comigo, ultimamente) que apesar dos meus modos e jeitos, eu mereço ser feliz.
E eu sou feliz quando sou livre.
E sou livre quando tenho coragem.
E é precisa muita coragem para te dizer que gosto muito de ti.
(mais do que para saltar de um avião.)
e com isto talvez te tenha posto a morder o lábio.
E talvez tenha passado uma boa parte da minha vida a morder a língua para evitar dizer coisas menos boas. Para não magoar alguém. Para conter a criança impulsiva. E também para não me deixar ouvir.
Mas agora, porque até ver a Terra continua a girar sobre si própria, a vida vai dando umas voltas engraçadas.
E eu dou por mim a morder a língua para não te falar das coisas bonitas que levo dentro do peito. Desses objectos indescritíveis e inomináveis que são os sentimentos que sinto por ti, que não cabem dentro de mim. Que preciso de partilhar.
E já vejo a tua sobrancelha a arquear-se, num movimento lento com efeito de mola.
A boca a mover-se como se tivesses palavras presas dentro da boca, uma garfada de estrelas que não consegues deixar sair. Vejo-te a expressão contida; os olhos a esforçarem-se, enquanto tentas maquinar uma forma nova de me explicar que só interessam os actos, e não as palavras.
E eu aqui sentada a escrever.
Esta é a única parte do encaixe que não me é genuína. Tenta entender.
Já comecei a conhecer um mundo novo através das tuas mãos. Quando elas me fazem correr até me faltar o ar. Quando me apertam no teu peito. Quando nos fundem num só abraço, numa só respiração. Quando me fazem uma festa que eu não esperava. Quando me sossegam e me voltam a adormecer com um só toque subtil. Quando me protegem, ou me puxam para te dar o braço na rua. Quando apontam sem esticar o dedo. Quando decidem a direcção e quando me dão uma palmada para me encorajar. Quando desenham os limites no chão.
Prometo que estou a aprender essa lição. Mas agora quero ser eu a professora por breves instantes. Por isso respira fundo, procura ter paciência e senta-te na cadeira do aluno por um bocadinho.
Disse-me a vida ao ouvido, um dia destes, que não há relações perfeitas. E que essa coisa que nos impingem nos filmes e que apelidam de "momento certo" não vem acompanhada da música em crescendo, para dar a dica.
Não houve música quando saltámos do carro. Nem do avião.
Não há dicas suficientes. Não há certezas. E às vezes, disse-me a vida, também não há tempo. Mesmo quando há toda uma vida partilhada, o tempo escorrega e foge e esconde-se e não sossega a dor.
Por isso, dizia-me a vida nessa mesma conversa, tens de ser tu mesma. Não deixes por fazer. Não deixes por dizer.
Isto deixou-me a pensar. Porque quando eu sou eu mesma, eu falo. Uso palavras para dar um nome mais ou menos ajustado às "caras" das emoções que dançam cá dentro. Partilho-as, como faço com todas as coisas bonitas que me passam pelas mãos. Às vezes escrevo bilhetinhos, cartas (faço-o desde que aprendi a escrever. acho que não sabias isto).
É como dizer que, mesmo que um dia a Vanessa deixe de ter cara de Vanessa, ou que a profissão dela peça um nome mais sério, ainda assim, um dia a mãe dela achou que Vanessa era mesmo o nome certo para aquela bolinha de carne. Por isso calçou os sapatos, saiu de casa e foi até ao registo escrever num papel que a filha dela se chamava Vanessa. E sabes que mais? Isso faz com que aquela miúda que em tempos existiu, quer se goste ou não, se chamasse mesmo Vanessa! Mesmo que um dia ela bata com a cabeça num vaso e passe a achar que se chama Eugénia. Ou mesmo que deixe de respirar. Porque pode acontecer. Mas o nome dela, ainda assim, era Vanessa.
E como eu não tenho jeito para adivinhar se alguém vai mudar de cara, ou precisar de um nome mais digno, ou até bater com a cabeça, não quero ir a lado nenhum sem te dizer, com palavras daquelas compostas pela voz (provavelmente embargada e nervosa), que já há um armário a abarrotar de bilhetes e cartas, a compensar as vezes todas em que pus a mão à boca para não usar palavras que pudessem eventualmente não fazer justiça aos sentidos. Porque mesmo que o vento mude e leve as cartas e os bilhetes para longe, eu escrevi-os. Eu senti-os. São, de alguma maneira, quem eu sou.
Como é que eu sei que está na hora, se ainda não houve música?
(a verdade é que não sei.)
Disse-me o caminho, quando lhe pus os pés em cima. Pois é, o caminho também falou comigo.
E em boa verdade, não mo disse em palavras. Comunicou comigo aquecendo-me borboletas na barriga. Fazendo-me cócegas nos pés com pirilampos.
Com estas não-palavras, o caminho mandou-me correr para ti. E quando o fiz, dei por mim a correr até mim mesma.
É que o que há de bonito no mundo, fica mais bonito ainda quando posso partilhá-lo contigo.
E eu posso não fazer muitas coisas bem. Posso ter os jeitos desajeitados de uma borboleta sem maneiras em algumas coisas. E posso por vezes transmitir a intensidade de um pequeno ogre embriagado.
Mas a vida também já me disse (ela tem-se fartado de falar comigo, ultimamente) que apesar dos meus modos e jeitos, eu mereço ser feliz.
E eu sou feliz quando sou livre.
E sou livre quando tenho coragem.
E é precisa muita coragem para te dizer que gosto muito de ti.
(mais do que para saltar de um avião.)
e com isto talvez te tenha posto a morder o lábio.
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