Diário de uma empregada/confidente

Ela ainda se deve lembrar da cara dele, toda torcida diante da sua, disposta a tudo para lhe arrancar um beijo.
Horas e horas, juntos no café que era só deles, no cantinho deles, com a torrada partilhada e os triestinos, numa rua esquecida de Lisboa. Conversavam de tudo, ele e ela, tentando disfarçar aquele desejo de se beijarem. Não podiam... mas ainda assim... as caras coladas, a olharem-se no fundo dos olhos, à espera que o desejo deixasse de os querer juntar, ou que a força de vontade para o impedir desistisse.

Lembro-me dos olhos dele, atentos e deliciados, a sorrir para ela com um jeito único que a fazia corar. Não pedia nada com palavras, a não ser estar perto, bem pertinho dela. E ela dizia que não, mas já a sua cara se inclinava na direcção dele, dizendo o contrário...
Pergunto-me quantos minutos terão passado juntinhos, a olhar a boca um do outro, a pedir magia que os juntasse sem consequências? Quantos roçares de lábios fingiram eles que não aconteceram? Quantas respirações junto ao ouvido ignoraram, vivendo-as com sede?
Naquele nosso café, aquele cantinho ao fundo do café, na sua mesa. Eu era mera espectadora, naquele cantinho que conspirou com eles nos seus segredos, e que guardou, não tenho dúvidas, a recordação dos seus beijos, dos seus abraços, dos seus olhares. O café que os viu a apaixonarem-se. Talvez eu, a empregada que lhes levava "o mesmo do costume", seja para eles uma confidente. Talvez se lembrem de mim... Lembro-me deles com carinho, os meninos que se sentavam no canto, ele do lado esquerdo, com o seu cabelo negro e brilhante e os olhos verdes de mel, e ela com os seus caracóis loiros e o olhar ternurento, sempre muito juntinhos.
Percebi, quase desde o primeiro dia, que não eram namorados. Havia algo nela que a impedia, que os separava. E numa conversa acabei por perceber que ela namorava com outra pessoa. Isto poderia ser apenas uma história de traição sem graça nenhuma entre dois miúdos, poderiam vocês pensar.
Mas não... era uma história de amor! Deixaram de vir, algum tempo depois. Mas uns meses mais tarde retornaram, de mãos dadas e com um brilho nos olhos...
O café fechou... o Il Cafè di Roma que viu aquele amor nascer, hoje é uma pastelaria foleira.
Mas sabem que mais? Não tenho dúvidas que aquele amor nunca vai virar uma relação foleira. Li naqueles olhos, e guardei para mim naquelas tardes, o segredo de um amor que vai durar uma vida...

Comentários

Anónimo disse…
Oh! gostei tanto...quero mais...
Anónimo disse…
ha coisas que não passam despercebidas, outras que só alguns olhos conseguem ver...
Anónimo disse…
hum... nem sei o que eide dizer. fantástico!!! momentos que nunca se vao esquecer... que estao para sempre marcados dentro de nós :D

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